O prazo final para a venda da refinaria Gabriel Passos (Regap), em Betim, se encerra neste domingo (31), mas até agora o mercado não sabe se a Petrobras vai conseguir cumprir o compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Publicamente, não há informações se empresas privadas fizeram propostas pela refinaria responsável pelo abastecimento de combustíveis em boa parte de Minas Gerais e no Distrito Federal.

Segundo a Petrobras, o “processo competitivo para venda da Regap continua em andamento visando a assinatura do contrato de compra e venda”, sem adiantar se realmente há uma empresa interessada.

Em 2019, para reduzir o monopólio sobre o refino de petróleo no país, a Petrobras se comprometeu com o Cade a vender para a iniciativa privada oito refinarias espalhadas pelo país. Algumas vendas foram concretizadas (como Landulpho Alves, na Bahia, e Isaac Sabbá, no Amazonas), mas outras ainda não foram concluídas.

O prazo chega ao final no mesmo momento em que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, ventilam para a população uma possível privatização da Petrobras – algo que dificilmente passaria pela aprovação do Congresso Nacional neste momento.

O Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro-MG) acompanha de perto a situação e não enxergou nenhuma visita de possíveis compradores ao parque industrial em Betim, o que não reduz o temor da categoria. “Os trabalhadores estão sem informações oficiais do processo, que é feito nos bastidores e sem transparência. Lutaremos para que não vendam a REGAP e entreguem por preço de banana como aconteceu em Manaus e Bahia”, diz Alexandre Finamori, coordenador do Sindipetro.

Mas por que vender uma refinaria localizada em um mercado consumidor tão bom quanto Minas não é tão fácil? Cloviomar Cararine, economista e técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), explica que o setor petrolífero é pouco propício para o surgimento de novas empresas, por ser muito caro e por ser dominado por estatais (elas estão presentes em boa parte dos principais produtores do mundo). E as poucas empresas que existem no mundo olham com desconfiança para a realidade política e econômica do Brasil.

“Há uma incerteza muito grande quando o presidente insinua que vai interferir na política de preços de combustíveis no Brasil. Se a Petrobras não respeita o PPI (preço de paridade de importação), as empresas não vão querer entrar no mercado de refino. E existem outras questões como passivos ambientais, passivos trabalhistas e uma pressão popular contrária às vendas”, explica o especialista.

Questionada sobre o futuro dos funcionários de Betim, a Petrobras afirmou que conduzirá o processo de desinvestimento “em absoluto respeito aos profissionais e à legislação”. O modelo de gestão de pessoas que será adotado envolverá um cardápio de opções aos empregados, segundo a empresa. “Já há um Programa de Desligamento Voluntário (PDV) anunciado pela companhia e outras opções também surgirão, como a realocação interna, conforme interesse da companhia, plano de desligamento via acordo, existindo ainda a possibilidade de o empregado migrar para as novas empresas de refino que serão constituídas”, afirma a Petrobras.

A Regap tem capacidade de processar 166 mil barris de petróleo por dia, que são transformados em diesel, gasolina, GLP (gás de cozinha), querosene de aviação, asfalto e outros produtos. A refinaria é responsável por uma movimentação de receita anual que supera R$ 8,6 bilhões em tributos para o estado de Minas Gerais (4% de toda a arrecadação no estado), além de gerar cerca de 1.700 empregos diretos, segundo a Petrobras. 

Caso não consiga vender as refinarias dentro do prazo, a Petrobras terá de comprovar para o Cade porque não cumpriu a determinação.

Comprador teria de usar petróleo da Petrobras

Pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Rodrigo Leão acredita que será difícil aparecer um comprador para a Regap neste momento. Segundo ele, antes da pandemia, a empresa francesa Total parecia bastante interessada no mercado mineiro de produção e distribuição de combustíveis, mas o cenário mudou desde março do ano passado.

“A Rnest (Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco) parecia a mais interessante às empresas estrangeiras, por ser mais nova e por produzir um diesel com baixo teor de enxofre, com demanda de mercado interna e externa. E mesmo assim não teve interessados”, explica o especialista. “Pode ser que apareçam interessados, mas isso depende de capital nacional, talvez de grandes distribuidoras de combustíveis”.

Segundo Leão, não é tão fácil o processo de desinvestimento de refinarias porque todo o sistema de produção da Petrobras está interligado. Quem comprar a Regap terá obrigatoriamente de comprar o petróleo da estatal, pois toda a estrutura foi montada para isso. “A produção é feita a partir de um tipo de petróleo. As pessoas normalmente não sabem, mas existem tipos diferentes de petróleo, cada um suas características de densidade, por exemplo”.

Mas o pesquisador acredita que essa dificuldade em vender refinarias não se refletiria em um problema para a desestatização total da Petrobras. “Mesmo que Paulo Guedes tenha dito que a empresa seria um ativo de pouco valor, te garanto que qualquer petrolífera do mundo faria um enorme esforço para comprar a Petrobras, que está sentada em uma das maiores reservas do mundo e tem muito know-how”.