Efeitos da Covid

Um em cada quatro pequenos negócios mineiros teve que fazer demissões

Em média, empresas mandaram embora dois trabalhadores em maio, diz pesquisa

Por Rafaela Mansur
Publicado em 20 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Com baixo capital de giro e mais dificuldade de acesso a crédito, os pequenos negócios são uns dos principais prejudicados pela crise provocada pelo coronavírus. Uma pesquisa do Sebrae Minas mostrou que um a cada quatro pequenos negócios mineiros que possuem funcionários com carteira assinada tiveram que demitir em maio. Cada empresa dispensou, em média, dois colaboradores.

De acordo com o levantamento, a maioria dos negócios adotou medidas para resguardar os empregos, como a imposição de férias coletivas (14%), suspensão do contrato de trabalho (31%) e redução de jornada de trabalho e salário (21%). No entanto, em alguns casos, as demissões se tornaram inevitáveis.

"Os pequenos negócios, de forma geral, são mais sensíveis e tentam se adaptar de todas as formas. Muitos inovaram, implantando delivery ou vendendo pelas redes sociais, mas a redução de receita por um período muito longo começa a pesar", afirma a assistente do Sebrae Minas, Gabriela Martinez. "Muitos não têm reserva financeira grande e tentam sobreviver até quando dá, mas chega um ponto em que ou os empresários continuam a se endividar ou demitem para evitar chegarem a uma situação em que estão tão endividados que não conseguem se reerguer depois", explica.

Outro levantamento realizado pelo Sebrae Minas, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, indica que o percentual de mineiros desocupados ou na informalidade chegou a 33% em maio. Das 9,257 milhões de pessoas que estavam ocupadas no Estado, 81% não foram afastadas de suas atividades devido ao coronavírus, mas, dessas, 35% tiveram rendimento efetivo menor que o normal. Entre aquelas que foram afastadas do trabalho, 49% deixaram de receber remuneração.

Gabriela lembra que a situação gera um ciclo: quando as pessoas têm a renda reduzida ou, em caso de demissão, cortada, passam a consumir menos, o que prejudica os negócios e contribui para novos cortes. "As pessoas tendem a segurar mais o orçamento e gastar só com o essencial. Mesmo os serviços que adotaram alguma alternativa para funcionar estão tendo uma redução brusca na renda, porque o consumidor não está comprando", pontua.

Flávia Fernandes, 44, trabalhava em uma agência de turismo em um shopping de Contagem, na região metropolitana, desde o ano passado. Com o mall fechado desde março e o setor de turismo muito prejudicado pela pandemia, ela e outros funcionários foram demitidos em maio. "O proprietário falou que, infelizmente, não ia dar para continuarmos, porque a agência era muito pequena e, até então, estou desempregada", conta Flávia, que precisa pagar aluguel, condomínio, a mensalidade da escola da filha, entre outras despesas. Para garantir uma renda, ela começou a atuar de forma autônoma como consultora de uma construtora. "Estou tentando a sorte agora", diz.

De acordo com o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Belo Horizonte e Região Metropolitana (Sindhorb), Paulo César Pedrosa, desde o início da pandemia, 14 mil pessoas foram demitidas nos setores de gastronomia e hotelaria somente em Belo Horizonte. Na região metropolitana, foram 30 mil, e, no Estado, 80 mil pessoas, número que segue em alta. Segundo ele, em torno de mil dos 14 mil estabelecimentos desses setores devem fechar definitivamente na capital.

"O delivery resolveu 15% a 20% do faturamento, as empresas estão tentando funcionar precariamente para, pelo menos, pagar o custo, as contas e dois ou três empregados, mas é uma situação muito difícil", diz Pedrosa. "Há um problema do aluguel, os donos dos imóveis estão dando descontos de 20%, mas não adianta nada. Precisamos de linhas de crédito, e as micro e pequenas empresas têm muita dificuldade de acessar", completa.
O empresário Marcelo de Lima Rodrigues, 52, teve de fechar um dos dois restaurantes que tinha em Belo Horizonte e demitir seis funcionários. Segundo ele, a decisão ocorreu depois que o dono do imóvel fechado, na avenida Prudente de Morais, se recusou a reduzir o valor do aluguel, de R$ 8 mil. No estabelecimento que ainda está aberto, ele registrou queda de 70% no faturamento e precisou recorrer a empréstimos de mais de R$ 100 mil para manter o funcionamento. "Nós não tínhamos expertise de delivery, começamos na marra e estamos funcionando com entrega em casa e na porta. Antes, atendíamos 200 pessoas por dia. Hoje, em um dia bom, atendo 50", conta.

Hotel demitiu após queda na ocupação

O Hotel Guanabara, no centro de Belo Horizonte, tinha 15 funcionários antes da pandemia. Desde então, três foram demitidos e, atualmente, dois estão com contrato de trabalho suspenso e um está de férias. A ocupação do hotel, que, nesta época do ano, costuma chegar a 65%, hoje não passa de 20%, o que não paga o custo operacional. "Quando a pandemia começou, imaginávamos que não duraria tanto, mas o pico foi sendo adiado e não temos noção de quando vamos voltar a funcionar normalmente. É assustador", afirma o sócio José Cosme da Costa. "Os custos com aluguel e folha de pagamento não param, e o crédito está caro, é inviável tomar dinheiro emprestado neste momento. O problema é que não temos perspectiva de retomada. No caso da hotelaria, estamos prevendo que, somente em 2022, possivelmente, vamos voltar aos níveis de 2019", conta.

A responsável por uma marca de vestuário em Belo Horizonte, que não quis se identificar, já demitiu seis dos 18 funcionários, depois de esgotadas todas as alternativas para manutenção dos empregos. "Primeiro, demos férias coletivas, depois entramos no programa do governo de suspensão temporária do contrato de trabalho por 60 dias para todos os funcionários e, posteriormente, adotamos a redução de jornada e salário, mas estamos muito sem perspectiva de abertura. Temos que pensar com a cabeça fria, e não com o coração", pontua. Segundo ela, mesmo com as vendas online, o faturamento da empresa não chega a 20% do registrado no mesmo período do ano passado. "Acredito que, mesmo após a reabertura, o comércio não vai ser o mesmo", lamenta.

Pequenos negócios vão precisar de apoio financeiro e de consultoria, diz especialista

Das 1,3 milhão de empresas que estavam fechadas temporária ou definitivamente na primeira quinzena de junho, 522,7 mil encerraram suas atividades por causa da pandemia, sendo que 99,2% dessas (518,4 mil) eram de pequeno porte, com até 49 empregados, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"Além de ter menos capital de giro, os pequenos negócios têm muita dificuldade de fazer refinanciamento, porque a maioria não tem garantia real para oferecer aos bancos. Os grandes negócios geralmente têm essa garantia, o que permite a rolagem de dívidas por custo muito menor. Além disso, os pequenos sofrem muito porque, normalmente, não têm reservas, já que a grande maioria dos microempreendedores tem baixo nível de educação financeira, não tem cultura de poupar", afirma o professor de economia do Ibmec, Felipe Leroy. "A taxa de mortalidade desses pequenos negócios é muito maior, e isso gera um volume de desemprego enorme, porque eles são quem mais emprega", completa.

Ele diz que essas empresas precisam e vão continuar demandando linhas de crédito com acesso rápido, além de suportes de consultoria para se adequarem ao novo cenário, mesmo após a reabertura das atividades. "As pessoas terão muito receio de frequentar lugares que gerem aglomeração. O governo vai de orientar os novos negócios no que diz respeito à remodelagem, à necessidade de ter uma planta mais leve e trabalhar com o delivery. O dinheiro apenas não basta", ressalta Leroy.

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