Após um abalo estrutural em 2020 e em 2021, períodos mais duros da pandemia, a hotelaria começa a se recompor para atender ao aumento do fluxo de turistas em 2022. Em julho deste ano, o fluxo em Minas Gerais superava em quase 42% o mesmo período de 2019, antes da crise sanitária, com 2,9 milhões de turistas, segundo a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult-MG). A alta não significa que viajar tenha ficado mais acessível: pelo contrário, o preço da hospedagem escalou 22,2% em um ano, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Mas, com um público disposto a gastar mesmo assim, hotéis tentam subir de patamar e apostam no luxo para faturar. “Com a pandemia, será difícil encontrar um hotel que esteja buscando um caminho diferente de investir em entretenimento, mais lazer e mais luxo. O público, hoje, está buscando isso, sair de casa para ter algo melhor do que o que tem nela. As pessoas não estão buscando a simplicidade mais. Os hotéis têm que caminhar nessa linha de se reinventar e buscar novos investimentos”, resume o presidente do conselho da Associação Mineira de Hotéis de Lazer (Amihla), Rodrigo Baltazar. 

É o caso do Grande Hotel Termas de Araxá, gerenciado pela rede Tauá. A estrutura recebeu neste ano um aporte de R$ 10 milhões para atender aos hóspedes do chamado mercado de luxo. Foram implementadas melhorias nas estruturas dos apartamentos, nos restaurantes e cardápios, modernização dos enxovais e treinamento das equipes para chegar ao status de cinco estrelas. 

Presidente do Grupo Tauá, Daniel Chequer Ribeiro explicou que após a pandemia houve um desejo de repaginação no Grande Hotel para atender a demanda de clientes. Houve consultorias especializadas para detectar as necessidades do hotel, sem perder as características que marcam a hospedagem inaugurada em 1940. “A gente está buscando oferecer um atendimento mais exclusivo, diferenciado, com muito mais detalhes nos serviços do que normalmente a gente tinha, bem minimalista”, argumenta Chequer. 

A ideia, segundo ele, é oferecer uma experiência de acordo ao perfil do público que tem condições de pagar mais caro na hospedagem, já que o ticket médio após as reformas aumentou 50%. “Procuramos saber até antes mesmo do hóspede chegar, o que ele deseja encontrar. Se quer uma experiência gastronômica, de bem-estar, ou um relaxamento com yoga, meditação”, complementa Daniel. As modernizações também vão ser implementadas em outras estruturas da rede em Minas e em outros Estados. 

No resort de Atibaia, em São Paulo, o Tauá projeta um investimento de R$ 300 milhões em cinco anos para expandir a capacidade de atendimento e construir novos atrativos. Em movimentação semelhante, o Maquiné Park Hotel, em Caetanópolis, na região metropolitana de Belo Horizonte, segue um caminho similar. O pacote de hospedagem de sexta a domingo no complexo custava menos de R$ 1.000 antes da pandemia. Agora, sai a pelo menos R$ 2.300 para dois adultos.

 “Tivemos muita procura na pandemia, pessoas completamente diferentes. Tanto quem não tinha condições de viajar antes, mas passou a gastar menos com outras coisas, quanto pessoas que antes viajavam para mais longe, mas passaram a vir. Agora, vimos que os clientes são pessoas com nível financeiro mais alto. Vamos focar mais na decoração dos quartos, por exemplo, porque é o que atrai as pessoas”, explica uma das sócias do hotel, Renata Mascarenhas.

Além disso, o hotel tem reforçado investimentos em eventos, como festas temáticas, para manter os hóspedes entretidos o maior tempo possível. Para o consultor hoteleiro Maarten Van Sluys, o movimento é uma tendência. Ele avalia que o turismo local, que pode ser feito de carro, se fortaleceu na pandemia. Com turistas dispostos a gastar mais tempo nos hotéis, os estabelecimentos reforçam a grade de atividades. 

“Hoje, o valor agregado é muito maior do que antes da pandemia. Antes, você tinha uma piscina, um serviço de garçom, uma música, e estava tudo certo. Hoje, as pessoas querem experiências, tem que haver uma programação”, elabora. Ele também destaca que a alta de preços não está no fim. “A diária estava defasada em Minas, mas, em março, a situação começou a melhorar e, em abril, os hoteleiros tiveram uma luz. Viram que precisavam recuperar a tarifa e o preço e, de lá para cá, ela vem crescendo mês a mês, a ocupação também”, pontua o consultor.

Contratação é desafio 

O setor de turismo emprega cerca de 378,3 mil pessoas em Minas Gerais, segundo dados de agosto deste ano compilados pela Secult, 4,6% mais do que no mesmo período de 2019. Só na hotelaria, são 31,2 mil funcionários, 0,5% menos do que antes da pandemia. Ainda que aparentem um aumento ou pelo menos estabilidade de contratações, os números não são diretamente comparáveis aos de 2019, já que a base utilizada pelo Ministério do Trabalho para calcular os empregados é, hoje, maior do que antes da crise sanitária.

Assim, na contramão dessa aparente alta, o setor atesta que tem sido difícil encontrar funcionários. “Muitas pessoas empreenderam na pandemia, foram se aprimorar em algo próprio. Junte-se a isso o Auxílio Emergencial e a baixa remuneração que o setor oferece, e isso tirou parte da mão de obra que atuava no segmento. Aumentar os salários é uma das coisas que estão sendo feitas, mas não é só isso que fará a situação melhorar. É preciso criar um plano de carreira. A pessoa precisa entender que, hoje, está entrando para a recepção do hotel para ganhar R$ 1.600, mas que terá a possibilidade de crescer e ganhar mais. Caso contrário, ela fica um tempo e sai”, avalia o consultor hoteleiro Maarten Van Sluys.

Sócia do Maquiné Park Hotel, Roberta Mascarenhas confirma a dificuldade. “Somos uma cidade pequena e nosso atendimento é muito específico, precisa de muito treinamento. Está difícil arrumar pessoas. Estamos focando em bonificações, porque é uma forma de atrair”, conclui. 

Modernização acompanha oferta de hospedagens avulsas 

A busca por modernização da estrutura de hotéis ocorre em momento de oferta maior e popularização de hospedagens avulsas, como as ofertadas em plataformas como Airbnb. Atualmente, para quem deseja fugir do tradicionalismo, há diversas opções que atendem diferentes faixas de preço. O casal de influenciadores Rafael Rodrigues Miranda, 27, e Verônica Edelman, 21, responsáveis pelo perfil @amantesdeestrada, ganhou quase 1 milhão de seguidores nas redes sociais compartilhando experiências em estruturas fora do convencional hoteleiro. 

Para eles, a busca pelo diferente acabou se tornando algo latente principalmente com a busca pelo isolamento após a pandemia. Com isso, quem aposta em arquitetura diferente acaba se destacando no mercado, segundo Verônica, ao se referir às hospedagens em formatos de cabana ou bolhas. “Cada vez mais está se tornando algo que as pessoas querem viver e não pelo destino, mas para ficar nestas hospedagens diferentes, tirar fotos. E isso diferencia dos hotéis que são sempre muito padronizado”, explicou. 

Rafael explica que tem observado, com frequência, hospedagens avulsas buscando oferecer alguns atrativos como café da manhã e outras refeições na reserva de diárias, enquanto hotéis já planejam algumas instalações que se assemelham ao que é encontrado fora da rede hoteleira. “Já estamos vendo hotéis que estão tendo que se adaptar às cabanas e construindo chalés ou outro tipo de apartamento meio que se adaptando a esse mercado. Por outro lado, as pessoas sentem falta de café da manhã, algumas não gostam de preparar a sua própria comida por ser algo que não estão muito acostumados”, relatou. 

O influencer acredita que apesar do impacto que um setor exerce sobre o outro “há público para os dois”. “As pessoas mais velhas muitas vezes querem esse conforto do hotel, não sei se migrariam para esse outro estilo”, acrescentou Rafael. A reportagem procurou o Airbnb para obter um termômetro deste mercado, mas até a publicação desta matéria nenhum posicionamento foi enviado. 

Mercado empresarial movimenta hotelaria

Além da movimentação turística, os hotéis ainda colhem frutos da movimentação empresarial. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD), o turismo de negócios foi responsável por 14,6% das viagens realizadas dentro do Brasil em 2021. Já no estudo da demanda turística internacional do Ministério do Turismo, o segmento é o segundo principal motivo da vinda de estrangeiros ao Brasil, com gastos diários per capita de US$ 77,39.

“Depois de dois anos, Belo Horizonte voltou a receber feiras e eventos corporativos e é um importante fator para o turismo de negócios. Com a flexibilização das medidas para a prevenção da Covid-19, os números já superam o desempenho de 2019, período pré-pandemia, em 20%”, ressalta a diretora da ABIH, Carolina Drummond. Segundo ela, Belo Horizonte teve um desempenho acima da média por ser uma cidade com vocação para o turismo corporativo. 

A realização das feiras, congressos e outros eventos promovidos por empresas trouxeram a recuperação da lotação dos hotéis além dos grandes shows e festivais. “Durante a semana, temos muita demanda de clientes corporativos e, com esse retorno de eventos e BH se destacando como destino de lazer, a ocupação no final de semana está muito boa. Não temos mais dias de baixa ocupação”, complementa Drumond.

O cenário também se reflete no interior. No Maquiné Park Hotel as reuniões de empresas, que reservam o espaço em dias de semana, movimentam as reservas. “É uma procura que nunca existiu. Achamos que isso cairia muito, porque as pessoas ganharam expertise em fazer reuniões online, mas acho que ninguém aguenta mais ficar no computador. Temos pelo menos duas empresas por semana até o final do ano”, explica a sócia.

Como os hotéis de lazer, parte da hotelaria de negócios aposta em aumentar a sofisticação neste momento. “Estamos nos preparando com um andar de luxo, com duas suítes com hidromassagem. Estamos nos preparando para atender ao público com mais excelência e fizemos ampliação do restaurantes”, detalha o diretor do hotel Intercity BH Expo, ao lado do Expominas, no bairro Gameleira, na região Oeste de BH, Rodrigo Cançado.