BRASÍLIA - Fora da disputa pela Prefeitura de São Paulo, após ficar em terceiro lugar, Pablo Marçal (PRTB) agora deve se dedicar à sua defesa perante mais de uma centena de ações em diferentes esferas judiciais. Elas, inclusive, podem atrapalhar seus planos políticos. O autodenominado ex-coach que não esconde o desejo de disputar a Presidência da República em 2026.

Marçal é alvo de ao menos 129 processos apenas na Justiça Eleitoral. Pode ser condenado e acabar declarado inelegível por oito anos, até 2032. A lista de acusações inclui crimes eleitorais e comuns cometidos em pleitos anteriores e na recente campanha. Elas incluem abuso de poder econômico, uso indevido dos meios de comunicação e disseminação de fake news.

Já há precedentes de condenação na Justiça Eleitoral por disseminação de fake news. em outubro de 2021, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou o deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil) por disseminar fake news contra as urnas eletrônicas. O mesmo aconteceu com Jair Bolsonaro (PL), no caso da reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada.

O episódio mais recente que envolve Marçal foi o laudo médico comprovadamente falso contra Guilherme Boulos (Psol), que Pablo Marçal compartilhou em suas redes sociais no sábado (5), véspera da votação. A atitude foi condenada até por aliados e vista por diversos atores políticos como crucial para a população escolher Boulos e Ricardo Nunes (PSD) para o segundo turno.

Caso do laudo médico falso pode render até prisão

Apenas esse episódio é suficiente para deixar Marçal inelegível por oito anos, caso a Justiça Eleitoral reconheça a fraude no laudo médico. Perícia da Polícia Civil já atestou a falsificação. Entre outras evidências, o médico apontado como autor do documento já havia morrido e ele nunca trabalhou em tal clínica. 

Marçal pode responder por crimes eleitorais, como uso indevido dos meios de comunicação, injúria, calúnia, difamação, falsidade documental para fins eleitorais, divulgação de informação inverídica e até associação criminosa. Além da inelegibilidade, pode pegar até três anos de prisão por crime contra a honra, além de cinco anos de reclusão por falsificação de documento.

Campeonato de ‘cortes’ também é motivo de ação

Aos 37 anos, Marçal já responde a um processo que pode torná-lo inelegível, incluindo uma ação de investigação judicial eleitoral movida pelo PSB, partido da deputada federal Tabata Amaral, que ficou em quarto lugar na votação do último domingo. A iniciativa da legenda resultou no bloqueio de todos os perfis do ex-coach nas redes sociais. 

Na decisão liminar, o juiz apontou indícios de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação, com a remuneração de usuários que produziam e divulgavam “cortes” de seus vídeos nas redes. Se condenado, Marçal poderá se tornar inelegível.

Apropriação indébita e lavagem de dinheiro

Já a Polícia Federal (PF) investiga Pablo Marçal por supostos crimes de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita eleitoral e lavagem de dinheiro nas eleições de 2022, quando lançou sua candidatura à Presidência. A PF suspeita que ele e seu sócio, Marcos Oliveira, tenham doado R$ 1,7 milhão à campanha e usado o dinheiro para contratar serviços de suas próprias empresas. O caso tramita em sigilo.

A apuração começou após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) relatar 42 operações suspeitas nas contas bancárias de Pablo Marçal, que levaram à suspeita de lavagem de dinheiro. Em agosto de 2022, ele era recordista em autofinanciamento, tendo doado mais de R$ 500 mil à própria campanha. 

Há indícios de que esses valores foram repassados posteriormente às empresas dele, para ocultar a origem do dinheiro. Alguns dos mandados não foram cumpridos porque havia apenas uma sala de jogos e uma editora no endereço das sedes das empresas.

Condenação veio à tona durante campanha

Apesar de concentrar sua carreira política em São Paulo, Pablo Henrique Costa Marçal nasceu e cresceu em Goiânia. Antes de se tornar conhecido por vender cursos de desenvolvimento pessoal nas redes sociais, quando se apresentava como coach, ele se envolveu com um grupo criminoso, que lhe rendeu uma condenação, que veio à tona durante a campanha deste ano.

A Justiça Federal condenou o influenciador, em 2010, a quatro anos e cinco meses de prisão por envolvimento em uma quadrilha que desviou dinheiro de contas bancárias em 2005. À época, ele tinha 18 anos. Só não teve de cumprir a pena atrás das grades porque ela prescreveu, graças a recursos dos advogados de defesa.

O grupo do qual Marçal fazia parte, criava sites falsos de instituições financeiras e enviava e-mails fraudulentos para roubar informações das vítimas com programas conhecidos como cavalos de Troia. Segundo a investigação, o ex-coach era o responsável por capturar e-mails de vítimas para um dos líderes, o pastor Danilo de Oliveira. 

O influenciador admitiu ter colaborado com o grupo, mas afirmou desconhecer os atos ilícitos, apesar da existência de áudios, obtidos por meio de grampos telefônicos da PF, em que Marçal confirmou a um dos chefes da quadrilha que estava capturando os e-mails para os golpistas. Sua pena foi extinta em 2018 por prescrição retroativa.

Esse episódio foi lembrado por concorrentes de Marçal na corrida pela Prefeitura de São Paulo, em especial Tabata Amaral, principal alvo do empresário nos primeiros debates na TV. Ele chegou a acusar a parlamentar de ser responsável pela morte do pai dela, o que é uma mentira. Diante da repercussão negativa, o então candidato do PRTB pediu desculpas.

Alunos em risco na Mantiqueira e funcionário morto

A condenação pelo envolvimento com a quadrilha de golpistas não foi o único episódio desfavorável à Marçal explorado pelos seus oponentes durante a campanha. Aliás, ele se notabilizou por episódios controversos. Alguns, investigados como crimes. Um deles ganhou o noticiário pouco antes de ele se lançar à Presidência da República. 

Ainda como coach, por meio de palestras e cursos motivacionais, Marçal comandou, em 5 de janeiro de 2022, uma expedição ao Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira, entre Minas Gerais e São Paulo. O grupo era formado por 32 alunos, induzidos a encarar a subida em condições meteorológicas adversas, sem experiência e equipamentos adequados. 

Era uma espécie de prova de resistência mental, que o então coach anunciava ser necessária para enfrentar desafios como os que poderiam se deparar na vida empresarial. Mas a empreitada deu errado. O Corpo de Bombeiros mineiro precisou organizar uma operação de resgate ao grupo, com nove horas de duração.

Marçal alegou, em sua defesa, que o Corpo de Bombeiros foi acionado por precaução, o que foi contestado por profissionais da corporação. A atitude dele foi duramente criticada pelas autoridades. O então porta-voz dos bombeiros de Minas e hoje deputado federal, Pedro Aihara, chamou o influenciador de “fanfarrão”, e disse que “ele foi totalmente irresponsável”.

Em julho, a Vara Única da cidade concedeu mais 90 dias para a Polícia Civil investigar o caso. Além disso, uma ordem judicial proíbe Marçal de realizar novas expedições similares sem autorização prévia da Polícia Militar.

Morte de funcionário em maratona surpresa

O episódio expôs outros eventos envolvendo o empresário, inclusive que resultaram em mortes. Uma delas, a de Bruno da Silva Teixeira, que era funcionário da XGrow, parte da Plataforma Internacional, empresa de Marçal. O rapaz de 26 anos morreu, após sofrer parada cardíaca, durante um desafio organizado pela firma. 

O óbito ocorreu no 15.º quilômetro do percurso, que totalizaria 42km, o dobro do proposto inicialmente. A maratona ocorreu poucos dias após Marçal vangloriar-se de ter completado 42km em uma corrida. O caso está sob investigação. Ele negou a culpa e disse que gostava tanto de Bruno que escreveu o nome do rapaz no tênis favorito. 

Após o episódio, funcionários relataram que havia pressão para que realizassem atividades físicas sem a solicitação de exames médicos. Aqueles que não seguissem as orientações enfrentavam o risco de demissão. A Plataforma Internacional já era investigada por desrespeitar as normas sanitárias durante a pandemia de Covid-19, como obrigatoriedade de uso de máscaras e isolamento social.

Mais: em palestras e entrevistas, Marçal afirmou ter criado um banco chamado General Bank, e a suposta instituição cobraria o valor de R$ 45 para abertura de contas no Asaas, uma fintech que não cobra taxas de inscrição. Ele fez o registro de marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, mas não há registro no Banco Central.