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Vídeos mostram agentes da PRF dizendo que não irão multar caminhoneiros

Imagens foram gravadas nesta segunda-feira (31) em Rio do Sul e em Palhoça, em Santa Catarina


Publicado em 31 de outubro de 2022 | 20:09
 
 
 
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Vídeos nas redes sociais mostram agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) garantindo aos caminhoneiros que não irão multá-los por bloqueios em rodovias após a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os registros, que circulam nas redes sociais, foram feitos nesta segunda-feira (31) em Rio do Sul e em Palhoça, em Santa Catarina. De acordo com a PRF, até agora, há 138 ocorrências em rodovias federais de 16 estados.

Em um vídeo gravado em Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí, a cerca de 200 quilômetros de Florianópolis, um agente afirmou que nenhum dos veículos presentes na manifestação será alvo de qualquer notificação. “Eu não vou fazer multa nenhuma”, disse, aplaudido pelos bolsonaristas. “O (servidor) que estará em serviço amanhã, não sei. O que estava em serviço ontem, também não sei. Nós somos dois, estamos de serviço hoje e estamos com essa missão”, acrescentou.

O Código de Trânsito Brasileiro classifica como uma infração gravíssima “usar qualquer veículo para, deliberadamente, interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem a autorização do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre ela”. Além da suspensão do direito de dirigir por 12 meses, a penalidade é 20 vezes o valor médio de uma multa. Para os organizadores, por outro lado, é 60 vezes.

O policial rodoviário federal prometeu ainda que faria o que os manifestantes lhe orientassem em busca de “encontrar a melhor solução” para que ninguém saia machucado, preso ou prejudicado. “A manifestação vai continuar com vocês e nós, os dois servidores que estamos aqui, vamos monitorar e vamos informar as nossas chefias, que é a nossa missão”, explicou em tom comedido.

Ele, então, reiterou que, "em nenhum momento", os agentes irão “atentar ou enfrentar qualquer um dos senhores que são patrões nossos enquanto servidores públicos”. “Não se preocupem. Nós vamos ficar tirando algumas fotos, mas essas fotos não são nada pessoal. É só porque a gente precisa ficar informando para a nossa chefia como está a manifestação, mas para mostrar que está pacífica, para mostrar a dimensão do movimento”, apontou.

Já em Palhoça, na Região Metropolitana de Florianópolis, o agente afirmou aos bolsonaristas que só tinha uma coisa a dizer naquele momento. “A única ordem que nós temos é estar aqui com vocês. Só isso”, apontou. Logo em seguida, ele foi abraçado por uma das manifestantes. Depois, outro o cumprimentou. 

Questionada por O TEMPO, a PRF afirmou que, desde quando surgiram as primeiras interdições, adotou “todas as providências” para o retorno da normalidade do fluxo, direcionando equipes para os locais e “iniciando o processo de negociação para liberação das rodovias priorizando o diálogo, para garantir, além do trânsito livre e seguro, o direito de manifestação dos cidadãos”. 

A PRF ainda ponderou que já acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) em todos os estados onde foram identificados pontos de bloqueio “para obter interdito proibitório na Justiça Federal, objetivando, liminarmente, a expedição de mandado judicial como forma de garantir pacificamente a manutenção da fluidez nas rodovias federais brasileiras”. Entretanto, em parecer, a AGU já afirmou que a PRF tem competência para atuar sem autorização prévia.

Conduta deve ser apurada, mas pode configurar ilícitos, dizem especialistas 

O professor de Filosofia do Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Andityas Costa Matos avaliou que, juridicamente, em tese, o comportamento dos agentes da PRF configuraria crime de prevaricação. “Para analisar o caso com mais calma, a gente teria que ter todo o material probatório traduzido em um processo concreto. Em tese, tendo em vista apenas os vídeos, me parece muito clara a possibilidade do crime de prevaricação”, apontou.

De acordo com o Código Penal, a prevaricação é “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. A pena pode ser uma detenção de três meses a um ano ou multa. “O crime de prevaricação, como nos é ensinado, é cometido apenas por servidor público que deixa de fazer ou faz algo ilegal”, explicou o professor de Direito Político.

Andityas ponderou que, apesar de o direito à manifestação ser previsto pela Constituição, nenhum direito é absoluto. De acordo com ele, o caráter da manifestação dos caminhoneiros é ilegítimo, já que coloca em xeque o resultado das urnas, ou seja, o Estado Democrático de Direito. “Não existe direito de manifestação contra uma eleição. A eleição já é uma manifestação. O Estado brasileiro, de certa forma, requereu ao povo brasileiro que ele dissesse qual projeto político prefere. As pessoas já se manifestaram”, pontuou.

Assim como Andityas, o professor de Direito da UFMG Rodolfo Viana Pereira considerou que é difícil analisar a postura dos agentes da PRF, uma vez que desconhece o contexto do diálogo. “A grosso modo, deve ser checado se a fala do policial se refere à impossibilidade logística e de pessoal dos servidores da PRF de fazer algum tipo de multa ou sanção aos caminhoneiros ou se é uma forma de apoiar a manifestação, o que, neste caso, poderia configurar ilícito penal, como, por exemplo, improbidade administrativa”, disse.

Os atos que configuram improbidade administrativa são regidos pela Lei 14.230, de 2021. Já a desídia no desempenho das respectivas funções, o que pode configurar demissão por justa causa, é vedada pelo regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, estabelecido pela Lei 8.112, de 1990.

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