Quando “O Quarto ao Lado” (“The Room Next Door”) chega ao fim, é fácil entender por que o filme foi aplaudido por quase 20 minutos em sua estreia no Festival de Cinema de Veneza, na Itália, em setembro passado, no qual ganhou o Leão de Veneza.

Estranho é imaginar de onde o público tirou forças para ficar de pé e ovacionar a película, com palmas e com gritos eufóricos, logo após assistir à nova produção do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (24). 

Isso porque o novo longa-metragem do diretor leva o espectador para uma viagem para dentro de si, com passagem só de ida e sem direito a paradas na estrada.

Não é incomum ficar alguns minutos diante da tela durante a exibição dos créditos para tentar absorver um pouco do que se passa nas quase duas horas de filme (se o leitor aceita um conselho, vale a pena assistir ao filme nos cinemas, onde as distrações ao celular são menos convidativas).

Afinal, quem nunca pensou na morte e no quão árdua pode ser a jornada que leva até ela? Quem nunca questionou as próprias escolhas da vida diante da possibilidade do iminente desaparecimento dela? 

Inspirada no livro “O que Você Está Enfrentando”, da escritora norte-americana Sigrid Nunez, a trama acompanha a história de duas mulheres bem-sucedidas que se reencontram anos depois de terem trabalhado juntas em uma revista, quando uma delas está doente.

Durante uma sessão de autógrafos do seu mais novo livro, Ingrid (Julianne Moore) descobre que Martha (Tilda Swinton), uma correspondente de guerra, está com câncer. Ela vai até o hospital onde a antiga colega de trabalho está internada para visitá-la, e, a partir de então, passa a acompanhar a amiga em um tratamento experimental contra a doença. 

Martha se mostra confiante nos resultados, por mais que diga se sentir preparada para receber a morte. Entretanto, a terapia não dá certo, e o câncer se espalha. Experimentando sentimentos que vão da raiva à resignação, Martha parece ter encontrado uma solução e faz um pedido difícil a Ingrid, que se vê diante de um dilema moral ao aceitá-lo.

Nesse processo, a personagem de Tilda Swinton ainda precisa lidar com a indiferença da filha, que se afastou dela por causa da sua escolha de priorizar a carreira em relação à família.

Tilda Swinton e Julianne Moore brilham em "O Quarto ao Lado" Foto: Warner Bros. Entertainment/reprodução

Por mais que o filme possa parecer um melodrama, comum em outras produções de Almodóvar, o diretor dá lugar à introspecção e valoriza diálogos profundos e provocadores, algo já observado em “Dor e Glória” (2019), longa autobiográfico em que o alter ego do cineasta reflete sobre as decisões de sua vida.

Este também é o primeiro longa-metragem do diretor espanhol produzido em língua inglesa – ele já havia se aventurado no idioma nos curtas “A Voz Humana” (2020), também com Tilda Swinton, e “Estranha Forma de Vida” (2023), com Pedro Pascal e Ethan Hawke.

Ver Almodóvar em inglês pode parecer um pouco estranho, já que há certas coisas que só podem ser ditas em espanhol, mas nada que atrapalhe a experiência.

Existem, porém, outros elementos que deixam claro que estamos diante de um filme de Almodóvar: cores fortes que se contrastam em um delicado mosaico, muitas obras de arte penduradas nas paredes, decoração vibrante, belos enquadramentos e, principalmente, o protagonismo feminino.

Mais uma vez, o diretor coloca as contradições, desejos e multiplicidades das mulheres no centro da trama, que se revelam verdadeiras com as atuações exemplares de Tilda Swinton e Julianne Moore.

O Quarto ao Lado
Foto: Warner Bros. Entertainment/reprodução

O filme também põe em evidência a amizade feminina em sua mais pura essência, fugindo de qualquer estereótipo ou preconceito machista que afirme que as maiores inimigas das mulheres são elas mesmas.

Mesmo discordando da decisão de Martha e tendo a morte como seu maior medo, Ingrid não quer que a amiga sofra e faz de tudo para que ela consiga o que deseja. E a personagem de Juliane Moore faz isso sem qualquer tipo de afetação.

Almodóvar ainda emprega um humor sofisticado à trama, de maneira a deixar momentos tensos um pouco mais suaves, misturando leveza e sobriedade, exatamente como a vida é.

O riso é incontido, por exemplo, quando Martha, já ciente da proximidade da morte, aparece vestida com um camisão branco e, mesmo sem a intenção, prega um susto em Ingrid, assim como um fantasma.

“O Quarto ao Lado” passa longe de querer dar qualquer lição do tipo “carpe diem”. Mas é impossível não se deixar tocar pela história de dor e esperança, ainda mais quando esta é conduzida de maneira tão contundente quanto delicada como só o diretor espanhol consegue fazer.