Um dos cineastas mais premiados nos últimos anos, o mineiro Marco Antônio Pereira faz a sua aguardada estreia em longas-metragens com “Paisagem de Inverno”, que já está sendo filmado no Vale do Jequitinhonha, região que serviu de cenários para todos os cinco curtas do realizador nascido em Cordisburgo.

Com tramas que sempre misturam histórias do cotidiano interiorano com elementos fantásticos, combinação que lhe garantiu espaço em festivais internacionais como Berlim, Montreal, Viña del Mar e Hong Kong, Pereira agora aborda a questão da migração, a partir de uma jovem moradora da zona rural de Virgem da Lapa.

“Acredito que precisamos de filmes com um olhar mais horizontal e honesto sobre esse assunto, sem estereótipos e caricaturas do sertão, para entendermos o que esses jovens migrantes vindos de comunidades do interior pensam. São os migrantes que constroem as cidades. Onde estão as suas vozes e filosofia de vida?”, indaga.

A ideia para “Paisagem de Inverno” surgiu quando ele conheceu a família de Gabriela Martins. Na época, ele era voluntário de projetos sociais, percorrendo cidades como Berilo, Araçuaí e Virgem da Lapa. Nesta fase da vida, Pereira tomou contato com histórias tristes, determinadas pela extrema pobreza da região.

“Nunca esquecerei de quando vi uma criança com dor de dentes e a família não tinha recursos para levá-la ao dentista. Um amigo de Virgem da Lapa  tinha acabado de ir para Florianópolis, para trabalhar durante oito meses e juntar dinheiro. Quando volta, a filha dele já vai ter aprendido a falar. Com certeza nós conhecemos uma história assim”, salienta.

O próprio cineasta viu algo neste sentido, tendo que sair de Cordisburgo para fazer faculdade em Belo Horizonte. Ele só iria entrar num cinema, pela primeira vez, aos 19 anos. Logo se viu apaixonado pela arte das imagens em movimento, mas precisou esperar dez anos para ver um filme de sua lavra projetado numa sala escura.

Apesar da demora, emendou uma produção atrás da outra. Em julho de 2017,  filmou “Retirada para o Coração Bruto”. Dois meses depois, foi a vez de “Alma Bandida”. Em dezembro, fez “Teoria Sobre o Planeta Estranho”. Com “4 Bilhões de Infinitos” e “A Última Vez que Ouvi Deus Chorar”, lançados posteriormente, Pereira criou uma pentalogia.

A conexão entre “Paisagem de Inverno” com esses curtas está, principalmente, na metodologia de produção. “Escrevi o roteiro pensando em pessoas reais que conheço e trouxe para a trama os conflitos que vi meus amigos e conhecidos enfrentarem”, explica o diretor, que tem a produção Abdução Filmes por trás do longa.

“A Abdução é formada por Rodrigo (Meireles), Marcelo (Lin) e eu. Somos conhecidos  por buscar um modo de produzir mais horizontal e colaborativo. Assim, todas as pessoas se sintam valorizadas. A gente quer fazer um filme bonito e emocionante de assistir, mas o modo de produzir tem que ser bonito e respeitoso também”, assinala.

O longa está sendo feito com recursos da Lei Paulo Gustavo. “É um (projeto de) baixo orçamento. Mas conseguimos filmar com os melhores equipamentos que existem, filmamos com a câmera RED em Raw 16 bits. Além disso, conseguimos repartir bem o dinheiro entre técnicos, atores, figurantes e logística”, detalha.

Exploração de lítio

“Paisagem de Inverno” aborda questões relacionadas ao Vale do Jequitinhonha que vão além da migração contínua. “Ela é apenas um dos assuntos do filme, pois hoje vemos uma forte especulação da extração de lítio no Jequitinhonha. O longa também trata de saúde publica para os quilombolas, bem como da necessidade de registrar as terras das comunidades no nome dos moradores de lá”, adianta Marco Antônio Pereira.

Apesar de a exploração do lítio estar no começo, Pereira ressalta que ela já afetou muito a região. “O custo de vida em Araçuaí ficou muito alto. Algumas pessoas ficaram felizes em vender suas terras por um bom preço, mas a maioria reclama do fato de não verem mudanças significativas para a população em geral. Fora as questões de saúde (nas minas de exploração). É um assunto urgente, que precisa ser discutido”, analisa.

Embora o tema tenha sua carga de seriedade, o diretor mais uma vez brinca com a fantasia. “Tem elementos fantásticos de arrepiar. Vai ter choro, riso, suspense, mistério, coisas que eu não posso contar agora, cenas de ação e até incêndio. Só não tem disco voador desta vez, porque eles não apareceram durante as filmagens”, diverte-se o realizador, que tem como missão refletir sobre a beleza e a resiliência do povo mineiro.