Com filmes premiados e cultuados no currículo, como “Henry & June – Delírios Eróticos” (1990) e “Pulp Fiction – Tempo de Violência” (1994) no currículo, a atriz portuguesa Maria de Medeiros é a protagonista de “Maria: a Rainha Louca”, longa-metragem da mineira Elza Cataldo que acompanhará a trajetória da mãe de Dom João VI.
“A Elza Cataldo tem uma linguagem muito própria, um cinema muito belo, e estou feliz com essa nova colaboração. Me interessa muito a produção no Brasil”, destaca a atriz em entrevista a O TEMPO durante a 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, na capital paulista, realizada no último mês.
O elenco ainda tem Alexandre Cioletti, como Dom João VI, e Rita Batata na pele de Carlota Joaquina. A atriz também esteve presente em “As Órfãs da Rainha”, produção anterior de Cataldo, que tem se especializado em filmes históricos que põem em primeiro plano figuras femininas. É dela também “Vinho de Rosas”, de 2005.
“Maria: a Rainha Louca” busca desmistificar o estigma que foi imposto à rainha, cuja “loucura” é historicamente replicada em outras mulheres – especialmente as que estão no poder - ao longo dos tempos. Cataldo busca um ângulo original, destacando ações importantes realizadas pela primeira mulher a assumir o trono de Portugal.
“Quando a gente aprofunda um pouco a análise das personagens, começa a ver aspectos mais sutis. Convinha catalogá-la como louco, quando, na verdade, ela tinha uma simples depressão. O que faz a Elza é ir mais fundo nas personagens femininas para dar mais aspectos de leitura”, pondera Maria de Medeiros.
Ela afirma que ainda está tomando par do projeto, após ser contatada recentemente para participar do filme. “Falei logo que sim, porque achei super interessante”, comenta Maria de Medeiros, , que ainda aguarda o chamado da cineasta para filmar em Minas. Uma primeira parte já foi rodada, no mês passado, no Galpão Cine Horto.
Não será a primeira vez da portuguesa numa produção brasileira: ela atuou em filmes como “O Xangô de Baker Street” (2001), de Miguel Faria Jr., e “O Contador de Sonhos” (2009), de Luiz Villaça. Como diretora, também fez dois filmes deste lado do Atlântico – “Repare Bem” (2013) e “Aos Nossos Filhos” (2022).
Medeiros diz que busca sempre estar muito atenta à produção brasileira, sendo mais uma a destacar as qualidades de “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, cotado para figurar entre os indicados ao Oscar de filme em língua estrangeira. “Eu moro em Paris e lá tem um festival maravilhoso de cinema brasileiro e eu vou praticamente todos os anos”.
Frequentadora assídua da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ela acompanhou a última edição, quando exibiu “Capitães de Abril”, (2000), em razão dos 50 anos da Revolução dos Cravos, movimento português que derrubou o ditador Marcello Caetano e abriu as portas para a democratização no país.
Medeiros é tão ligada ao principal evento do calendário cinematográfico paulistano que já participou de dois longas produzidos pela Mostra: “Bem-vindo a São Paulo” (2007) e “Mundo Invisível” (2012), assinando um dos segmentos. No caso do último, o episódio teve como cenário o hotel Fasano, justamente o local da entrevista a O TEMPO.
“Eu adoro esta cidade, principalmente por seu dinamismo. Eu a descobri graças à Mostra. A primeiríssima vez que vim foi com teatro, com a Comédie-Française (com a peça ‘Elvire Jouvet 40’, em 1986). Depois passei a vir muito graças à Mostra, que é, realmente, um festival muito especial entre os internacionais. Ele é enorme e totalmente orientado para o público”, registra.
“Capitães de Abril” foi exibido na Mostra na época do lançamento, como a primeira grande produção a abordar a Revolução dos Cravos. “Foi um projeto extremamente ambicioso, porque é um filme de guerra. Mas é tão difícil fazer um filme que pensei: ‘Vamos começar pelo mais difícil, porque sei lá quando farei o segundo”, assinala.
“Para mim, foi um objetivo de vida contar a história da Revolução Portuguesa. Foi um evento histórico tão extraordinário, tão original na história do mundo. E eu me dei conta aos 12 anos, quando vivíamos na Áustria e, como muitos portugueses, resolvemos voltar para o país, após a Revolução. Foi quando vivi o processo de construção de uma democracia civil e saudável. Eu precisava contar isso”, analisa.
A mãe de Maria de Medeiros era jornalista política na época e, por meio dela, conheceu todos os protagonistas da Revolução dos Cravos, quase todos eles militares. “Eu tinha um contato pessoal com eles, além de ter em casa muitos documentos preciosos. Com isso, a minha pesquisa ficou muito acessível”, detalha.
Aos 21 anos, lembra, Maria de Medeiros foi ao quartel de Salgueiro Maia, considerado o herói da Revolução, localizado em Lisboa. “Fui lá conversar com ele, pedir mais documentos. Os militares apoiaram o projeto de A a Z. Foram os únicos que nunca contestaram a legitimidade de uma mulher, jovem e atriz contar aquela história”, enaltece.
Foram 13 anos entre a elaboração do roteiro e as filmagens, um tempo extra justificado pela necessidade de verossimilhança. “É um filme de guerra, em que a gente entrou com dezenas de blindados por Lisboa adentro – blindados que, na época da Revolução, já eram velhos e, quando a gente filmou, eram super velhos”, diverte-se.
“Toda logística para o filme, vendo hoje, me parece um sonho. Parece um milagre a forma como conseguimos isso”, salienta. “O propósito nosso era ser extremamente fiel aos relatos dos militares. Portanto, (mostramos) a Revolução tal como ela foi vivida e contada. Realmente, contar essa história de forma tão fiel, fui a única maluca que fez isso”.
Outro aniversário que Maria de Medeiros não deixa de comemorar são os 30 anos de “Pulp Fiction”, celebrado filme de Quentin Tarantino em que ela faz par com Bruce Willis. Ela conta que a história de seu envolvimento com o longa passa por São Paulo, um dos locais onde teve oportunidade de falar pessoalmente com o cineasta.
“Conheci o Tarantino primeiramente num festival bem pequenininho de cinema independente, em Avignon, no sul da França. Depois a gente voltou a se encontrar aqui, na Mostra, em que ele estava com ‘Cães de Aluguel’. Firmamos uma amizade que foi crescendo, de muita cinefilia”, revela a atriz.
“É um filme muito marcante. Tarantino conseguiu uma coisa extraordinária que é fazer um filme completamente autoral, fora dos padrões hollywoodianos, e, ao mesmo tempo, encontrar um público universal e gigantesco no mundo inteiro”, elogia Maria de Medeiros, que está cheia de projetos novos.
Entre os trabalhos que logo devem estrear estão “Le Roi Soleil”, de Vincent Cardona, “Reflet dan um Diamant Mort”, de Bruno Forzani e Heléne Cattet, e “Ange et Soléa”, de Tony Gatlif. Atualmente ela está em fase de roteirização de seu próximo longa como diretora, desta vez sobre a Revolução Cubana.