“O Mercado Central é tipo uma cidade do interior”, compara Ronaldo Garcia Filho, o Ronaldinho, com a autoridade de quem está à frente de um dos tradicionais pontos de vendas de queijos e cachaças do lugar, aberto há 31 anos. Em seguida, ele arranca risadas de quem ouve ao completar a frase: “Aqui todo mundo se conhece, todo mundo fala mal de todo mundo, mas, no fim, todo mundo se ama”.

O gracejo do comerciante, que atende na loja “Ronaldo Queijos e Cachaças”, é alegórico de como, no centro comercial e de distribuição mais famoso da capital mineira, protocolos e formalidades são inteiramente dispensáveis. Por ali, o visitante, seja turista ou morador de BH, é convidado a se sentir em casa, como ensina a hospitaleira tradição tão própria das cidades do interior de Minas. E, para isso, nada melhor que conhecer mais a fundo quem nos recebe, como propõe o Guia Virtual do Mercado Central, lançado nesta terça-feira (26) pela Prefeitura de Belo Horizonte, a partir de uma parceira entre a Belotur e o Sebrae Minas.

A iniciativa apresenta cinco rotas temáticas, dedicadas aos queijos, aos doces, às bebidas, às comidas e aos utensílios e ingredientes, que podem ser acessadas a partir da leitura de códigos QR Code distribuídos em locais estratégicos do próprio equipamento, que completou 95 anos neste ano. A página também fica disponível no portal Belo Horizonte, mantido pela Belotur.

Além de um mapa com visão aérea do Mercado Central, indicando os estabelecimentos que integram cada um desses cinco percursos, o projeto inclui conteúdos em foto, vídeo, áudio e texto, em português e inglês, ampliando as possibilidades de acessibilidade. A proposta é que, com o guia, o visitante conheça com mais detalhes a história de alguns dos locais, produtos, insumos e lojistas que ocupam e dão vida ao charmoso quadrilátero localizado na região central de BH.

Assina a curadoria da empreitada a jornalista Celina Aquilo, que, entre mais de 400 lojas, precisou selecionar apenas 30 para essa etapa inicial do projeto. “Eu descobri que eu não conhecia assim tão bem o Mercado como eu imaginava, porque fui descobrindo coisas, muitas surpresas no caminho”, reconhece, convidando os visitantes ocasionais ou frequentadores assíduos a redescobrirem as histórias abrigadas no lugar.

QR Code leva ao Guia Virtual do Mercado Central | Crédito: Alex de Jesus/O Tempo
QR Code leva ao Guia Virtual do Mercado Central | Crédito: Alex de Jesus/O Tempo

Se perder para se encontrar

O Guia Virtual do Mercado Central possui, sim, recurso de geolocalização. É em um mapa, afinal, que os percursos são apresentados. O que não significa que o visitante vá conseguir se orientar a ponto de “estragar” a experiência de se perder nos labirínticos corredores do centro comercial e de distribuição. 

“Eu ouvi, logo que entrei na Belotur, que a experiência do Mercado Central é se perder para se encontrar. Quando ouvi essa frase, tudo fez sentido”, situa Bárbara Mennucci, presidente da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte. “O que queremos é proporcionar experiências mais imersivas, para o morador e para os turistas, levando a uma conexão com as histórias, comerciantes e ingredientes icônicos que estão aqui”, sugere.

Já Renato Lana, analista de negócios do Sebrae Minas, exalta a iniciativa como uma das mais estratégicas já realizadas pela entidade em 50 anos de história. “Dessa natureza (a venda de iguarias e insumos gastronômicos), esse equipamento é o mais importante que temos na capital”, ressalta, sublinhando que o espaço recebe um fluxo diário de cerca de 30 mil pessoas, já tendo sido eleito, em 2016, pela Revista da TAM, como o terceiro melhor do mundo.

Raízes

A relevância do Mercado Central para BH e para Minas Gerais – para se ter uma ideia, por mês, cerca de 340 toneladas de queijo são vendidos no quadrilátero – é destaca também por Ricardo Campos Vasconcelos, diretor-presidente do lugar.

Lembrando que o equipamento foi fundado a partir da união de dois grupos de comerciantes, que trabalhavam em tendas localizadas na região da praça Rio Branco, onde hoje funciona a Rodoviária Municipal de BH, e praça da Estação, tendo como missão ser o centro abastecedor da capital, Vasconcelos pondera que, ao abraçar a tecnologia e a inovação, a associação de comerciantes se mantém fiel aos ofícios e receitas tradicionais. 

“Gostamos da vanguarda, dos protótipos, do novo, mas não perdemos as raízes”, estabelece. Ele ainda conta, orgulhoso, que a administração do equipamento já tem sido buscada por lojistas que não entraram nessa primeira etapa do guia e antecipa que, em um segundo passo, novos empreendimentos devem integrar o projeto.

É também no que acredita Ronaldo Garcia, cujas falas abriram esta reportagem. “Temos, sim, que inovar, mas mantendo a fórmula antiga, com a barriga no balcão”, sugere. “E acho que quem dá certo aqui é quem cria raiz. A gente vai passando de pai para filho e vai longe”, complementa ele, que, não por acaso, é a segunda geração de “Ronaldos” à frente da loja “Ronaldo Queijos e Cachaças”, aberta pelo seu pai em 1994.