O mineiro Ricardo Teodoro conquistou, na última semana, um feito no Festival de Cannes só alcançado por um ator brasileiro em 2004, quando Rodrigo Santoro saiu da Croisette com o prêmio de revelação (na seção Semana da Crítica) pela travesti Lady Di, em “Carandiru”. Vinte anos depois, Teodoro refaz o caminho, agora na pele de um garoto de programa, em “Baby”.

A láurea ganha maior relevância ao lembrarmos que, em 77 edições,  esta é apenas a segunda vez que um representante do Estado é consagrado é consagrado do festival francês, um dos mais importantes do cinema mundial. A primeira foi com o curta-metragem “Pouco Mais de um Mês”, de André Novais de Oliveira, que levou a menção especial da 45ª Quinzena dos Realizadores, em 2013.

O prêmio também jogou luz sobre o trabalho do ator, nascido em Governador Valadares e criado em São José da Safira, no Vale do Rio Doce. Com dez anos de carreira, ele tem em “Baby” um divisor de águas. No filme dirigido por Marcelo Caetano, vive um garoto de programa, Ronaldo, que ensina a um rapaz (João Pedro Mariano), recém-liberado de um Centro de Detenção para Jovens, como sobreviver nas ruas.

Teodoro não nega que o garoto de programa poderá lhe abrir muitas portas. Ele logo que percebeu que o personagem significava uma chance que não poderia ser desperdiçada. “Era tudo o que eu precisava para eu mostrar as minhas qualidades, as minhas ferramentas, a minha versatilidade. E não é sempre (que um personagem) tem isso”, destaca.

Ele afirma que se dedicou ao papel com muito afinco, desde se preparar fisicamente a participar de laboratório. “Quando li o roteiro, eu pensei: ‘É um personagem que não chega toda hora para um ator’. E falo isso a nível mundial. O Marcelo e o Gabriel fizeram um roteiro com muito primor”, ressalta Teodoro, que fez praticamente todas as cenas na casa do diretor antes do grito de “ação!”.

A consagração veio, como não poderia deixar de ser, depois de muita luta, ao vencer o estereótipo de homem negro de quase dois metros de altura. O que ele carrega agora tem muito a ver com o aprendizado que teve em Safira. “É uma cidade muito pequena, de quatro mil habitantes, um lugar em que vi as pessoas saindo cedo para trabalhar e cuja economia gira em torno do garimpo. Eu também fui garimpeiro”, lembra.

Hoje com 35 anos, tendo sido bilheteiro no Rio de Janeiro antes de investir na carreira, ele diz ter um grande orgulho de sua cidade. “Foi ela que me deu a possibilidade de observação, que é tão importante para o ator”, salienta. Teodoro espera poder retribuir o que Safira lhe proporcionou, ao incentivar que outras pessoas não deixem de buscar a realização de seus sonhos, independentemente de onde moram.

“Espero, de alguma forma, que a gente possa estar passando, não só para pessoal de Safira, mas de todo mundo do interior, que está longe dos grandes centros, das grandes oportunidades, que, ao batalhar, ao lutar com muita vontade, com muita fome daquilo que você acredita que veio fazer no mundo, pode dar certo. Não vou afirmar que dará certo, porque aí seria uma utopia, mas, de alguma forma, você mirou e vai acertar em alguma coisa”.

Parceria com diretor mineiro

Não é a primeira vez que Teodoro trabalha com Marcelo Caetano. Antes, eles tinham feito a série “Notícias Populares” para o Canal Brasil, em 2022. “Ele abriu um formulário nacional e fiz quatro testes, até chegar ao Faísca, que é o personagem que faço na série. Ele é totalmente diferente do que eu já tinha feito no audiovisual. Tivemos uma química muito boa”, registra.

Para o mineiro, o trabalho de Caetano chama a atenção ao deixar o ator bem à vontade para incutir uma assinatura na própria composição do personagem. “Eu gosto dessa autonomia, dessa possibilidade de colocar a sua vivência de mundo. Acho que foi a partir daí que ele viu a possibilidade de eu fazer o Ronaldo. Dar essa oportunidade, após sete anos com o projeto, é uma validação muito grande”.

O fato de ambos serem mineiros (Caetano é de Belo Horizonte), assim como João Pedro Mariano, criou uma certa cumplicidade entre eles, admite. “Tem a ver com os costumes. Como mineiros, temos uma forma de ver o mundo, que está mais no observar. Além de tudo, os três gostam de queijos”, diverte-se. “Mas o principal de tudo é ter saído de casa em busca de nossos sonhos”.

Todos os três tiveram São Paulo como destino. “Isso também está nos personagens do filme, que é ver São Paulo como uma terra de oportunidades. Uma pessoa cresceu aqui tem um outro olhar sobre a cidade. Para nós, é um lugar de grandes oportunidades. Como qualquer imigrante, fomos em busca de conseguir melhoras financeira e profissionalmente”, assinala.

Início com participações pequenas

Para um ator, explica Teodoro, é muito mais difícil fazer uma carreira decolar fora do eixo Rio-São Paulo. Ele começou a fazer audiovisual em 2015, logo após ter se graduado em Artes Cênicas (na CAL, no Rio de Janeiro), mas sempre em participações pequenas. “Apesar disso, foi interessante para me deixar à vontade num set. Ele pode ser um lugar muito opressor por conta da demanda de tempo e de custo”, avalia.

Embora tenham sido pequenas, ele pondera que essas participações tinham que ser muito bem feitas. “Aquele organismo (a produção d e um filme) já está acontecendo, você chega para completar e vai embora em seguida. Isso me fez ficar muito tranquilo num set hoje, entendendo o que está acontecendo e o poder da minha concentração”, analisa Ricardo Teodoro.

A carreira começou a mudar de direção em 2022, justamente com a série “Notícias Populares”. “O Marcelo começou a visualizar em mim aquilo que o audiovisual não estava vendo. Foi uma competência dele ao me colocar como um ator que poderia fazer coisas além de um policial, de um homem truculento”, comenta. No primeiro capítulo da novela “Renascer”, por exemplo, ele interpretou um jagunço.

A indústria tem isso, de não querer gastar tempo. Sou um homem negro de 1m90. Então é natural que eles veem você num lugar mais truculento. Foi o olhar do Marcelo que me proporcionou fazer personagens com mais sentimentos, mais ternura, e que pudessem falar sobre outras coisas. E que pudessem também ter uma sexualidade, que pudessem ser vistos como um homem bonito”, avalia.

Após “Baby”, Teodoro trabalhou em outros dois longas que estão para serem lançados. Um deles é “Cyclone”, de Flávia Castro. O outro é “Super-Homem”, de Gabriel Mascaro. “São personagens diferentes, no sentido de construção, de história. Vai ser bom para as pessoas verem a minha versatilidade, uma entrega feita de forma diferente. Estou muito feliz com esse momento”.