O que vem depois do fim de uma banda de sucesso é a expectativa de que os ex-integrantes tomem rumos bem diferentes, para se desvencilhar o quanto antes de qualquer ligação com o trabalho anterior. Não é o caso de Samuel Rosa, ex-vocalista do Skank, grupo mineiro que figura no topo do cenário pop rock desde a década de 1990. “Isso aí é uma luta que eu não vou ganhar”, admite, entre risos, o cantor e compositor, que está lançando hoje o primeiro álbum solo, “Rosa”, 15 meses após o show de despedida do Skank no Mineirão.

“Não tem como eu me desvencilhar completamente daquilo que fui durante três décadas. Seria até mesmo pretensão da minha parte, (ao) não querer parecer com algo que fiz lá trás. Eu não estou falando de um ou dois discos, mas de 15 álbuns em 30 anos, numa banda que, dentro de suas possibilidades, foi muito versátil, muito plural na feitura de sua canção popular. O Skank explorou a sua versatilidade, o seu DNA, ao máximo. Não foi essa a minha preocupação maior, a ponto de dizer: ‘Ah não, tem que ser um disco de rompimento’. Não vou perseguir isso”, assinala Samuel Rosa.

O outrora frontman do Skank não só não se incomoda que haja alguma intersecção com a banda na qual foi compositor, vocalista e guitarrista, como também define esse novo momento com a palavra “continuidade”. “A minha busca agora é meramente me exercer, enquanto uma pessoa que conseguiu um resultado interessante, razoável, de fazer músicas populares. Não uma ou duas, foram várias. Uma popularidade abrangente, no país inteiro. Acho que ainda tem água para rolar nesse rio, agora de outro jeito, me experimentando para outro formato, tanto de composição quanto de arranjo”, registra.

A relação com o Skank também pode ser observada na escolha de alguns temas. “Rosa” tem 100% das músicas abordando o amor, em seus mais variados estágios. “O amor vem cercado de uma porção de coisas, como frustração, culpa, entusiasmo, alegria e dor. Está tudo ali. E é do amor que a música popular trata, basicamente. Noventa e cinco por cento do que é feito na música popular é sobre o amor. E assim foi também na carreira do Skank. Em alguns momentos, eu acho que seria o melhor meio para falar de mim mesmo, uma vez que esse disco é um pouco autorreferente”, analisa.

Para Rosa, o mais crucial foi poder passar “alguma coisa” do que ele tem vivido agora e do que viveu nos últimos tempos. “Esses temas eram mais familiares, mais íntimos, uma vez que agora se trata de um trabalho solo. Então me veio essa urgência, essa necessidade de ser um pouco autorreferente, falando de sentimentos, da nossa condição humana”. Foram feitas mais músicas do que as dez escolhidas para o álbum, fruto de um período em que ele diz ter se forçado a produzir músicas diariamente, isolando-se no quarto da filha depois que ela saía para a escola. É o que ele chama de “composição induzida”.

“Na verdade, as pessoas gostam de glamorizar, da imagem de que a coisa vem pronta para a pessoa que cria, como uma forma mediúnica. Essa é uma forma espontânea, em que vem uma espetada, um lampejo, um insight sobre um tema ou melodia. Mas raramente vem algo pronto. No geral, a criação é fruto do exercício, da repetição. Você vai exercitando, exercitando, até que uma hora ou outra, pum!, aparece uma ideia legal. Quanto mais você exercita, mais fluido vem aquilo que é precioso, e não é toda hora que aparece. Mas, no momento que surge, você sabe”, detalha.

Ele cita uma entrevista de Jack Kerouac (1922-1969), escritor beatnik que lançou o clássico “On the Road” em 1957. “Tem um livro dele que fala muito do exercício de escrever, contando quantas palavras escreve a cada noite. Mas ele não está preocupado com a quantidade, e sim com essa repetição, com essa rotina, com isso que passa pelo âmbito da disciplina. Então eu criei uma rotina para mim. Já tinha feito algumas vezes, mas agora consegui sistematizar mais. E a impressão é que nunca veio tanto coisa assim. Eu praticamente fiz um álbum duplo num período muito curto, de um mês e meio”.

Essa rapidez no trabalho de composição é visto como um bom sinal por Samuel Rosa, como “um indício de que o processo está fluido”. O compositor ambicionava ter de novo certa fluidez na criação, algo que os últimos anos de Skank não lhe permitiram. “A gente fez muito projeto, né? Foi assim com ‘Os Três Primeiros’, (a edição especial de) ‘20 anos de Samba Poconé’ e a turnê de despedida. Foi muita revisão de carreira. Eu estava ávido em ter mais uma vez a experiência do novo, da criação a partir do zero”, pondera o cantor, que também contou com parceiros como Carlos Rennó, Rodrigo Leão e João Ferreira.

Compositor diz estar em paz consigo mesmo

Samuel Rosa não esconde que sentiu o peso do fato de estar tomando sozinho as decisões do álbum. “Senti a todo momento, mas eu sabia que iria encarar isso. Não estava mais sob o guarda-chuva protetor de uma banda que vendeu 7 milhões de cópias, que tocou no Brasil afora e em alguns lugares do mundo e que daria para fazer um disco triplo só com os hits. Ao final de cada trabalho, os cinco (digo cinco porque o empresário Fernando Furtado também era um membro da banda) assinavam embaixo e respondiam pelos acertos e pelos erros. Agora estou sozinho, mas era isso que eu queria”.

O artista mineiro diz ter feito a conta de seus quartos de vida, constatando que está no último estágio. Com 57 anos, afirma estar em paz consigo mesmo. “Se eu conseguir chegar aos 80 e olhar para trás... Olha, eu entrei numa banda aos 25 anos, mas posso dizer que aos 57 saí e, nesse final, segui sozinho. Não me perdoaria caso acasso olhasse para trás e dissese: 'E hoje aos 80 ainda estou no Skank”, projeta, aos risos. “Eu tinha uma obrigação comigo mesmo, uma satisfação a me dar: de ser dono de mim nessa reta final. Tomara que ela dure muito tempo”, sintetiza Rosa, que em breve já estará em turnê pelo país.

Sobre o futuro show, Rosa faz um aviso aos que pensam que ele “brigou” com o repertório da época do Skank. “Eu seguirei cantando ‘Resposta’, ‘Dois Rios’, ‘Ainda Gosto Dela’ e ‘A Balada do Amor Inabalável’ com o maior orgulho, com o maior prazer. Eu me alinho ao Sting, que parou de brigar com as músicas que fez com The Police, trazendo-as para o repertório, porque se sentia na obrigação de, a cada noite, propiciar àquelas pessoas a sensação de que estão no melhor lugar do mundo naquele momento. É o mínimo de retribuição que a gente pode dar a quem comprou o ingresso para ver o show”.