Considerada um dos principais mercado das artes no Brasil, por galeristas, artistas e por instituições do ramo, Belo Horizonte convive, sobretudo ao longo da última década, com o crescimento do número de galerias e estúdios dedicados às artes visuais, que, para além dos espaços institucionais, vão se pulverizando pela cidade e chegando até lugares não tão óbvios. É o caso do ateliê-galeria Sonho Forte/Sonho Sorte, inaugurado há um ano no Edifício Central, ou do Espaço Corda, que no Mercado Novo – lugares que convivem com outros empreendimentos, como bares e restaurantes, integrando um circuito em que há grande circulação de pessoas, que talvez só pensassem em sair para encontrar amigos ou, simplesmente, para tomar uma cerveja e, de repente, podem se sentir convidadas a apreciar uma nova exposição.

Expressão desse fenômeno, há até um grupo de WhatsApp formado por frequentadores de vernissages na capital mineira, o “Verní  Beagá” – em que, mais do que fazer uma crítica popular das obras expostas, há muita troca de informação sobre outros atrativos das inaugurações, como a disponibilidade de comida e bebida, e debates de viés político e social, como reflexões sobre os efeitos das novas ocupações urbanas sobre a população que já estava nestes locais ou da articulação de protestos contra o desmonte de políticas públicas para a cultura.

“É uma cena que vem crescendo muito”, reconhece a galerista, curadora e pesquisadora Laura Barbi, relembrando que, entre 2008 e 2015, trabalhou na embaixada do Brasil em Londres, na Inglaterra, organizando exposições de arte. “Quando voltei, foi justamente a percepção de uma efervescência dessa cena que me fez começar a trabalhar com jovens artistas emergentes na cidade”, explica, ao falar sobre as inquietações que levaram a abertura da GAL – Arte & Pesquisa, fundada no final de 2017 com a proposta de ocupar espaços vazios da cidade com exposições e vivências de arte, além de representar artistas.

O artista Paulo Nazareth durante abertura de exposição no Inhotim, em abril deste ano | Foto: Daniela Paoliello/Divulgação
O artista Paulo Nazareth durante abertura de exposição no Inhotim, em abril deste ano | Foto: Daniela Paoliello/Divulgação

Laura pondera que, na verdade, BH possui um histórico de valorização das artes visuais desde as primeiras décadas após a sua fundação. “Em meados dos anos de 1930, tínhamos o Salão Municipal de Artes Plásticas, um concurso nacional de obras, que precede o Bolsa Pampulha. Estamos falando, portanto, de uma tradição de quase um século”, expõe. Um marco na sistematização desse mercado na capital mineira, indica a pesquisadora, data a década de 1960, quando foram abertas duas galerias: “a Galeria Grupiara, em 1963, e a Galeria Guignard, em 1964, que inauguram, assim, as atividades comerciais que seguiram os modelos internacionais na capital mineira”, registra a autora da tese de doutorado que, apresentada em 2022, analisa o sistema das artes na cidade.

De lá para cá, o que houve foi um amadurecimento e, mais recentemente, a pulverização de espaços dedicados ao trabalho desses artistas. “Acredito que, culturalmente, o melhor cenário seria que houvesse um entendimento das artes visuais como algo que faz parte do nosso dia a dia – como a música ou o cinema. Porém, ainda temos essa ideia de que essa arte é mais elitizada. Agora, felizmente, percebo que essa expansão do circuito, com mais casas sendo abertas e novas propostas de ocupação artística surgindo, caminhamos para uma democratização do acesso – que continua longe do ideal”, examina.

Fazendo a roda girar

Para o galerista Murilo Castro, que há 22 anos atua neste mercado, esse fenômeno recente de expansão do circuito das artes visuais é muito bem-vindo e mostra que BH está no caminho certo para a consolidação desse sistema. “Não por outro motivo, eu comprimento cada um desses espaços, cada qual com sua proposta, até porque o trabalho artístico nunca será uma questão unânime e, por isso mesmo, sempre será diverso”, reflete, acrescentando que essa pulverização é da mais alta importância também por promover maior convivência da população com a arte visual. “E a gente sabe que uma coisa leva a outra. Ou seja, se há mais pessoas interessadas, teremos mais espaços, que vão chegar a mais pessoas e assim a roda vai girando”, resume.

Para ele, aliás, a abertura de museus e galerias institucionais são um componente importante por trás deste processo de consolidação. “Tivemos, nas décadas mais recentes, a abertura de diversos equipamentos que trouxeram para a cidade mostras importantes, sendo essenciais para aproximar a população desse universo”, cita, lembrando, por exemplo, do Instituto Inhotim, aberto em 2008, em Brumadinho, na região metropolitana de BH, do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), inaugurado em 2013, e do Circuito Urbano de Arte (CURA), cuja primeira edição foi realizada em 2017.

Galeria Murilo Castro durante a feira ArtRio
Galeria Murilo Castro durante a feira ArtRio | Foto: Divulgação

“Com isso, um volume significativo de pessoas, que não são necessariamente colecionadoras, está desfrutando da arte a partir destes espaços”, examina, reforçando que, mais familiarizado com esse universo, esse público passa a se sentir mais à vontade para frequentar outros espaços do tipo, se integrando, pouco a pouco, nesse circuito de galerias alternativas da cidade. Mas Castro sublinha que, embora crescente, esse movimento ainda tem espaço para avançar – e muito. “Já participei de feiras em outras cidades da América Latina, como Buenos Aires, que reuniram centenas de milhares de pessoas. No Brasil, a maior feira do tipo, a SP Arte (em São Paulo), ainda reúne apenas dezenas de milhares”, reflete.

Mudança

A galerista Maria Brizola concorda que o mercado das artes visuais em BH está em expansão, embora ainda veja muito espaço para crescimento. “A cena tem evoluído muito nos últimos anos, principalmente depois da pandemia. E acredito que a força da expressão de lugares como o Inhotim tem sua parcela de responsabilidade nisso, ajudando a firmar a imagem de Minas Gerais como um polo de arte contemporânea, não só barroca”, elogia.

Mostra 'A Beleza do Acaso', de Julio Alves, realizada no Palácio das Mangabeiras pelo BRIZOLA Escritório de Arte | Divulgação
Mostra 'A Beleza do Acaso', de Julio Alves, realizada no Palácio das Mangabeiras pelo BRIZOLA Escritório de Arte | Foto: Divulgação

“Hoje, vejo mais mineiros consumindo artes, seja comprando ou frequentando mais galerias e museus. Mas, ainda somos um mercado em amadurecimento e um tanto tímido na comparação com o eixo Rio-São Paulo, que sempre foi mais óbvio para os colecionadores, que se preocupam com a questão mercadológica”, pondera ela, que atualmente dirige a Brizola Escritório de Arte, cujo compromisso, diz, é levar o trabalho de artistas mineiros ou que possuem uma relação forte com Minas Gerais para outros Estados e países, fazendo essa conexão entre eles e os colecionadores, apreciadores e empresas interessadas neste mercado.

Por isso, além de um espaço próprio no Espaço Vão, no bairro Floresta, na Zona Leste da capital, Maria ocupa uma sala comercial no bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na RMBH, e planeja abrir também um escritório na capital paulista.