Em seus últimos trabalhos, o veterano diretor Marco Bellocchio tem buscado mostrar como se deu as bases da construção da Itália, enfocando momentos capilares da história que se refletiram num país em que criminalidade, política e religião parecem convergir. Estreia de amanhã nos cinemas, “O Sequestro do Papa” é mais um passo nesse sentido, ao acompanhar um garoto de seis anos que é tirado, em 1858, de seus pais por ninguém menos que o Papa.

Não é um filme histórico, embora seja rico em elementos que definiram a fundação da Itália, em 1961, após a junção de vários reinos. A Igreja Católica exercia um grande controle sobre parte deles, estabelecendo regras controversas que se punham acima dos direitos mais básicos. É o caso do sequestro de Edgardo Mortara, uma criança judia de seis anos que é arrancado da família por ter sido, supostamente e às escondidas, batizado.

“O Sequestro do Papa” caminha em dois sentidos. No primeiro, vemos a luta dos pais e da comunidade judaica em tentar reaver Edgard, conseguindo até mesmo o apoio de Napoleão Bonaparte. Num outro, há a relutância de Pio IX em ceder. Mais do que um religioso, ele é mostrado como um absolutista. Num instante em que o poder papel é contestado, ele resolve mostrar a sua força, mesmo que esse ato amplie o sentimento de rejeição.

Bellocchio exibe um papa à beira da insanidade. Quase sempre vestido de vermelho, há um quê de perversidade, cujo prazer está simplesmente em ver o sofrimento de uma família judia. Com o caso levado a julgamento, após a junção da Bolonha (terra da família Mortara) à Itália, o filme se aproxima da apuração dos crimes cometidos pelos nazistas, quando as responsabilidades, por mais cruéis que tenham sido, são justificadas por uma ordem superior.

Bellocchio, que se baseou no livro “Il Caso Mortara”, de Daniel Scalise, traz uma conclusão dolorida, mostrando uma força capaz de impor marcas profundas e irreversíveis na sociedade, presentes ainda nos dias de hoje.