Um colecionador quase acidental. É assim que o arquiteto Yuri Hallen, 33, se descreve ao lembrar que caminhos geralmente desconhecidos o levaram a começar a adquirir obras de arte: “Foi um hábito que fui criando em viagens, quando ia a novos destinos, lugares que ainda não conhecia. Então, se fosse legal, se acontecesse algo marcante, eu logo procurava uma feirinha para comprar algum objeto que representasse aquele lugar, aquele momento. Era uma forma de materializar memórias”, situa.

Com o tempo, os itens que representavam as histórias vividas, quando se jogava rumo ao desconhecido, foram ganhando novas camadas, com algumas dessas peças alcançando o status de arte. Caso de estruturas escultóricas em cerâmica assinadas por artistas como a ceramista Erli Fantini, que mantém seu ateliê em Brumadinho, cidade localizada na região metropolitana de Belo Horizonte que se firmou como um dos polos ceramistas do Estado,  Taciana Amorim, com atuação no Rio de Janeiro, e Fernando Botero Angulo, artista figurativista colombiano.

Os itens, agora, estão expostos na Suíte Mundo Adentro, também chamada de Suíte do Viajante, que o arquiteto apresenta na 29ª edição da CASACOR Minas, uma das principais mostras de arquitetura, paisagismo, arte e design de interiores das Américas. O espaço é assinado também pela designer Caroline di Carlo, 30, casada com Hallen. “Ela embarcou comigo nessa de colecionar itens que a gente traz de viagens que fazemos”, cita ele, acrescentando que os objetos cumprem ainda uma função curiosa: motivar boas conversas.

“Quando recebemos uma visita em casa, começa uma história, que vem cheia de memórias afetivas. E é isso que quisemos trazer para o nosso espaço, propondo as coleções como uma forma de criar conexões”, garante. Por isso, na suíte, optaram por tratar as obras de forma dessacralizada.

“A ideia não era fazer um espaço com cara de museu, mas, sim, com um apelo acolhedor. Quisemos quebrar qualquer distanciamento, permitindo que as toquem nas peças, que, claro, tem seu destaque, mas não sendo apresentadas como inacessíveis”, explica ele, que estreou neste ano na CASACOR Minas. O evento, que neste ano ocupa galerias do Espaço 356, complexo de entretenimento localizado na BR-356, próximo ao BH Shopping, segue em cartaz até o dia 15 de setembro, com ingressos individuais custando a partir de R$ 40 (meia-entrada).

O percurso emocional que levou Hallen e Caroline a se tornarem colecionadores de objetos de arte, diga-se, é conhecido e reconhecido nas histórias ouvidas pelo galerista Murilo Castro, que atua há mais de 22 anos no mercado de arte. “Muitas vezes, levar um objeto de arte para casa é como levar um amigo. É algo com o qual você identifica, que você quer ter por perto. Mas pode ser também que você busque um objeto de arte que te desafie, que te perturbe, que está sempre te fazendo um questionamento – e isso é mais fantástico ainda”, reflete ele, que atua à frente da Murilo Castro Galeria.

Tela do artista visual paulista Rafael Vicente, posicionada à esquerda de Yuri e Carol, enquanto, à direita, na prateleira de baixo, destaque para a escultura "Mulher deitada de lado", do colombiano Fernando Botero | Crédito: Thomas Santos/O Tempo
Tela do artista visual paulista Rafael Vicente, posicionada à esquerda de Yuri e Carol, enquanto, à direita, na prateleira de baixo, destaque para a escultura "Mulher deitada de lado", do colombiano Fernando Botero | Crédito: Thomas Santos/O Tempo

Novos compradores

Ao contrário do que sugerem os midiáticos leilões em que itens são arrematados por verdadeiras fortunas, o hábito de adquirir objetos de arte não é “só coisa de herdeiro”. É o que garante o galerista e colecionador Murilo Castro à luz de estudos internacionais sobre o tema.

“As estatísticas apontam que a maior fatia das obras de artes – e aqui não estamos falando de adornos e objetos de decoração – são vendidas a preços acessíveis para pessoas de classe média”, comenta, assinalando que ele mesmo conhece profissionais que possuem suas peças de arte, mas não pertencem à elite econômica. “Tenho amigos professores universitários, por exemplo, que são bons exemplos nesse sentido”, garante.

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Em BH, aliás, Castro percebe a presença mais recorrente de um novo tipo de consumidor de arte. “Claro, existem os colecionadores tradicionais, em que eu me encaixo, e existe também aquela pessoa que quer ter um ou uns poucos objetos de arte em casa”, examina, acrescentando que, em alguns casos, a tendência natural é que esses itens tornem-se uma reserva patrimonial, além de trazer prestígio e instigar uma busca intelectual. “O interesse pela arte traz, consigo, algo de desafiador, porque esse universo exige de você tempo, dedicação, gerando bagagem”, comenta. 

No mesmo sentido, a também galerista Maria Brizola, 30, da Brizola Escritório de Arte, aponta que coexistem, no mercado das artes de BH, diferentes públicos, assim como há diferentes tipos de artistas. “Há colecionadores mais robustos, que investem nisso recorrentemente e há quem quer entrar nesse universo, mas sem fazer grandes aportes”, comenta, situando que percebe uma maior presença de jovens curiosos nesse universo.

“A predominância é de colecionadores mais tradicionais, porque este é um hábito que tende a ser aprendido em família, mas há também essa figura que é uma novidade, que aparece especulando, buscando espaços para consumir ao mesmo tempo que é muito engajada”, avalia.

Mostra 'A Beleza do Acaso', de Julio Alves, realizada no Palácio das Mangabeiras pelo BRIZOLA Escritório de Arte | Foto: Divulgação
Mostra 'A Beleza do Acaso', de Julio Alves, realizada no Palácio das Mangabeiras pelo BRIZOLA Escritório de Arte | Foto: Divulgação

Minimalismo valoriza peças

O colecionismo está em alta. É o que indicam as impressões de galeristas ouvidos pela reportagem e, também, um levantamento realizado no ano passado pela Artsy, um marketplace de arte contemporânea sediado em Nova York, nos Estados Unidos, que reforça a ideia de que as coleções particulares mobilizam significativamente os afetos de proprietários. Segundo o estudo, 61% dos entrevistados consideram a arte “uma de suas maiores paixões”, sendo que a maioria entrou neste mercado a fim de “construir uma coleção” (64%) e de “decorar suas residências ou espaços” (62%).

Tendências que ganham forma no Living do Colecionador, ambiente projetado ela arquiteta Ana Paula Paolinelli, especializada em desing de interiores e iluminação, para a CASACOR Minas deste ano. “Comecei o projeto partindo do conceito de retrofit, aprimorando a construção antiga a um padrão moderno, mas sem apagar as histórias que ela traz”, menciona, acrescentando que optou por um desenho mais minimalista justamente para valorizar as obras expostas no ambiente, enriquecido, também, pelo uso de móveis assinados por grandes designers brasileiros, modernistas e contemporâneos.

“Com um espaço mais limpo, conseguimos combinar diferentes tipos de peças, fazendo delas protagonistas. Temos escultura, vergalhão de ferro, telas com pintura a óleo…”, enumera, garantindo que “um pouco de ecletismo costuma funcionar muito bem” em interiores “cleans”. Os itens são assinados por figuras como o escultor, pintor e cenógrafo Marcos Coelho Benjamim, de Nanuque, no Nordeste de Minas, o artista potiguar Abraham Palatnik, pioneiro em arte cinética no país, o baiano Almandrade, influenciado pelo concretismo e pela poesia concreta, e o belo-horizontino Froiid, que explora, em seus trabalhos, tradições populares, sobretudo jogos, como a sinuca, o futebol de botão e o jogo do bicho.

Afixadas nas paredes, atrás de Ana Paula, obras do potiguar Abraham Palatnik, pioneiro na arte cinética no Brasil | Crédito: Thomas Santos/O Tempo
Afixadas nas paredes, atrás de Ana Paula, obras do potiguar Abraham Palatnik, pioneiro na arte cinética no Brasil | Crédito: Thomas Santos/O Tempo

Transparência favoreceu a ampliação do mercado

À frente da GAL – Galeria de Arte Contemporânea, Laura Barbi avalia que uma série de fatores tem contribuído a chegada de novos públicos ao mercado de arte de BH. A pulverização de galerias, ateliês abertos, feiras e outros espaços de arte entra nessa equação. Outro elemento, indica, foi a implementação de uma política de transparência em relação ao anúncio de preços das peças vendidas – “iniciativa capitaneada por projetos como o Bazar Junta e a própria GAL”, acresce.

O apontamento é ratificado por pesquisas internacionais que confirmam essa tendência, como um relatório da Artsy, que entrevistou 2.290 pessoas, residentes em 60 países. A publicação definiu como colecionadores aqueles que haviam comprado arte múltiplas vezes, tendo gasto pelo menos U$ 10 mil nesse mercado em 2019 ou em 2020, ou, ao menos, tendo a expectativa de gastar o mesmo valor em 2021. O estudo é citado na tese de doutorado de Laura, apresentada em 2022 ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

Os dados da pesquisa – que incluem 765 respostas, sendo 139 classificados como “colecionadores da nova geração” por terem entrado nesse universo entre 2018 e 2021 – indicam que a transparência dos preços é um fator relevante para a venda de arte online para 62% dos colecionadores – o que aponta para uma necessidade de uma mudança radical no comportamento dos agentes do sistema que controlam e divulgam os preços.

“Se até as últimas décadas, poucos tinham o poder de controlar os preços e de decidir quem tinha ou não a oportunidade de comprar obras, mantendo o ‘mercado confinado a grupos da elite, colocando um teto para o seu crescimento’, hoje essas práticas estão cada vez mais fora de sintonia com as necessidades e expectativas dos compradores”, aponta Laura na tese “O sistema das artes em Belo Horizonte”.