Se alguém lhe telefonasse oferecendo “o maior projeto da história dos musicais do mundo, com a melhor recompensa financeira já vista”, Edu Lobo perguntaria de pronto: “Quando tenho que entregar as músicas?”. No caso de uma resposta generosa, do tipo, “quando você quiser”, ele admite que não teria condições de aceitar a oferta.
“Não entregaria nunca. Preciso, fundamentalmente, de prazos para trabalhar”, confessa. O músico, que se apresenta neste sábado (21) em Belo Horizonte, completou 80 anos em agosto de 2023 como um dos mais renomados e sofisticados do país, mas a sua labuta passa bem longe da “inspiração”, e possui relação direta com o exercício e a aplicação.
“Tenho que sentar e procurar a música, ela não me procura, sinto inveja de quem tem isso, de repente uma melodia surge e a pessoa sai correndo, pega um pedaço de papel, anota. Comigo, isso nunca aconteceu”, afiança Edu Lobo, cujo cartel de sucessos inclui canções como “Ponteio”, “Arrastão”, “Lero Lero”, “Beatriz”, “Pra Dizer Adeus”, dentre outras, em parcerias com Capinam, Vinicius de Moraes, Cacaso, Chico Buarque e Torquato Neto.
Para a apresentação no Palácio das Artes, como ele prefere chamar em detrimento da palavra “show”, que considera “uma outra coisa”, Edu Lobo se baseou no mais recente álbum, batizado “Oitenta”, em que comemorou a efeméride.
Repertório
Ao selecionar as faixas, que contam com participações de Mônica Salmaso, Ayrton Montarroyos, Vanessa Moreno e Zé Renato, o anfitrião realizou um mergulho no passado, retornando a discos que “não ouvia há 30, 40 anos”. A distância propiciou “uma audição diferente”. “Por questão de temperamento, não gosto de ouvir meus discos antigos, porque me apego mais aos defeitos do que às qualidades”, observa Edu.
A escolha priorizou canções menos conhecidas de seu repertório, que, na apresentação, serão intercaladas com clássicos como “Upa, Neguinho” e as citadas anteriormente. Responsável pela segunda vitória de Edu Lobo em um festival de MPB, em 1967, “Ponteio”, na ocasião interpretada pelo autor com Marília Medalha e o grupo Momento Quatro, ganhou nova versão para a novela “No Rancho Fundo”, da TV Globo.
Edu, acompanhado por Zé Renato, concebeu uma gravação “diferente da original”, que, a despeito de ter sido composta nos anos 1960, conservou o viço. “É uma canção que as pessoas adoram, não ficou morna com a passagem do tempo”, assegura. Ainda na chamada “Era dos Festivais”, Edu faturou o seu primeiro prêmio em 1965, quando Elis Regina arrebatou a plateia com a interpretação catártica de “Arrastão”.
Mas o músico não pôde presenciar aquele acontecimento que marcou a história da MPB. Ele estava em São Paulo finalizando a trilha do espetáculo “Arena Conta Zumbi”, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. A fim de ter notícias da finalíssima, telefonou para a mãe, no Rio de Janeiro, e dessa maneira acompanhou o resultado. “Só fui ver a Elis quando voltei ao Rio, por vídeo, porque ao vivo não pude assistir”, conta o músico.
Trilha sonora
Além de Elis, a obra de Edu Lobo recebeu vozes da envergadura de Milton Nascimento, Nara Leão, Maysa, Astrud Gilberto, Sylvinha Telles, Zizi Possi, Maria Bethânia, Tim Maia e Gal Costa. Hoje em dia, o compositor elege Mônica Salmaso como sua preferida. “Para o meu gosto, é a melhor. Ninguém canta tão bem, tão claramente, não só em termos de qualidade vocal, mas da própria interpretação”, sublinha.
Em relação aos parceiros, ele orgulha-se do mesmo privilégio. Toda essa história começou quando Edu contava apenas 19 anos, e se deparou com Vinicius de Moraes na casa de uma amiga, em Petrópolis, região Serrana do Rio, com “todo mundo sentado no chão e o violão passando de mão em mão”. “Toquei várias músicas, muitas do Vinicius, até que ele me perguntou se eu teria um samba sem letra”, recorda.
“Por acaso”, Edu estava preparado, e não se importou, “de forma alguma”, que o Poetinha criasse a letra naquele instante. Assim nasceu “Só Me Fez Bem”, com leves reparos posteriores, inaugurando a profícua parceria e abrindo um novo horizonte para o estudante de Direito, que, a exemplo do ídolo, imaginava uma carreira de diplomata, o que “a música impediu, felizmente”, constata.
Apresentado a ícones da “moderna música brasileira”, como Tom Jobim, Oscar Castro Neves, Luiz Eça, Carlos Lyra e Baden Powell, o jovem Edu encontrou sua turma e trilhou caminho próprio junto aos artífices da bossa nova, rótulo que ele rejeita. “Tenho dúvidas a respeito dessas nomenclaturas, movimentos não precisam de nomes, as músicas são feitas e é isso que importa”, defende. Esse contato com a música já existia no seio da família de Edu.
Sucesso
O pai, Fernando Lobo, atuava como jornalista, radialista e compositor, e assinou sambas-canções de sucesso como “Preconceito” e “Chuvas de Verão”, regravadas por Maria Bethânia e Caetano Veloso, respectivamente. Outro êxito do patriarca foi a marcha “Nega Maluca”, que Edu homenageou nos anos 1990 com “Nego Maluco”, feita com Chico Buarque, parceiro no consagrado balé “O Grande Circo Místico”, de 1983, inspirado em poemas de Jorge de Lima, e em mais três espetáculos sob encomenda: “O Corsário do Rei”, “Dança da Meia-Lua” e “Cambaio”.
“O método de criação com o Chico, para mim, é o ideal, porque escrevo a música e mando para ele fazer a letra. Depois, a gente se encontra e acerta os detalhes”, revela Edu, que deixa em aberto a possibilidade de engatar novos projetos com Chico. Ele salienta que algumas canções da parceria “ganharam vida própria”, citando “Beatriz”, “A História de Lily Braun” e “Ciranda da Bailarina”. “Toda criança conhece, mesmo que não saiba quem a compôs”.
Cioso de sua produção, ele ressalta que tem “um cuidado enorme” ao compor. “Não tem a ver com tocar no rádio ou ter sucesso, faço o que eu imagino que seja o melhor para aquele momento, e o Chico é assim também”. Edu não esconde o susto e a satisfação com o êxito de canções como “Beatriz”.
“Me impressiona como ficou tão famosa, porque é um tipo de música longa, romântica, lenta, que não toca em rádio nenhuma, se tocar vai ser às 3h da manhã, quando está todo mundo dormindo. E ficou absolutamente conhecida, o que me espanta e, ao mesmo tempo, dá um prazer enorme. Esse é o tipo de sucesso que eu mais quero”, exalta o artista, que, sem planos para breve, “pode ser que daqui a pouco tenha uma ideia e corra atrás dela”.
Atualmente, ele se dedica a ouvir “muita música clássica através de um aplicativo de computador com gravações de primeira qualidade, que você baixa e já vem a partitura”. “O que ouço me influencia, as músicas vão se transformando com o tempo e minha ideia é que fiquem cada vez melhores. Me interesso pela obra de qualquer compositor que valorize três elementos: melodia, harmonia e ritmo. Música é feita disso”, arremata.
Serviço
O quê. Apresentação de Edu Lobo
Quando. Neste sábado (21), às 21h
Onde. Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537)
Quanto. A partir de R$110 na bilheteria do teatro ou pelo site www.eventim.com.br