O "Nosferatu" de Robert Eggers é rebuscado como o "Drácula" de Francis Ford Coppola. As duas histórias têm a mesma matriz: o seminal livro de terror de Bram Stoker, que, transplantado para o cinema, serviu a vários gêneros e cineastas, de John Carpenter a Quentin Tarantino, passando por Mel Brooks e Tony Scott. Ao mesmo tempo em que trafegam pelo gótico, Eggers e Coppola imprimem um quê mais assustadoramente humano.

O lendário vampiro do filme de 1992 exibe um talento para o mal, de uma maneira egocêntrica, mas tem um fraco por mulheres. Nosferatu também espalha destruição por onde passa, mas subestima o poder feminino. É disso que trata o longa de Eggers, em cartaz nos cinemas. Essa escolha já se expressa nos primeiros minutos, quando somos apresentados a um acontecimento do passado de Ellen (Lily-Rose Depp).

No lugar da garota frágil mostrada no clássico "Nosferatu" de Murnau, lançado em 1922, é ela o centro das ações, ao usar seu poder espiritual para contatar o mundo sobrenatural. Ellen traz à vida  o conde romeno e caberá à ela também enfrentá-lo, com a ajuda de um professor estudioso de bruxarias e feitiços, vivido por Willem Dafoe. Apesar de ainda ter papel importante, o marido Thomas vira apenas um passageiro nesta adaptação.

É uma mudança significativa, que dá outros contornos à história, também fonte de inspiração do "Nosferatu" de Werner Herzog, em 1979. É impossível não estabelecer relações com o primeiro longa de Eggers, "A Bruxa" (2015), que também ocupa um território já conhecido de forma muito original. Neste, a filha de uma família puritana exerce conexões com forças malignas como mote para a discussão da sexualidade feminina.

 Em "A Bruxa" ,inspirado em  contos de bruxa do século XVII, uma floresta vizinha à morada de uma família ecoa vários sentimentos e temores. Um acontecimento (o desaparecimento de um bebê) faz de uma adolescente a principal suspeita, demonizada devido à ebulição hormonal. Não é muito diferente das cenas iniciais de "Nosferatu", quando a jovem Ellen é violentada por um ser monstruoso.

Nos dois, Eggers trabalha essa relação entre juventude sexualizada e aberração, por meio da mítica figura das bruxas, que sempre estiveram à frente de seu tempo em relação ao sexo e ao poder feminino. A personagem de "Nosferatu", portanto, não é vítima. Seu destino está fortemente vinculado à sexualidade, como algo único e vigoroso que possivelmente nem mesmo Thomas tenha desfrutado antes.

Gradualmente o filme vai desconstruindo a maneira como vemos Ellen. Ao contrário do "Nosferatu" de Murnau, ela é consciente de seu poder, com pleno domínio sobre o lado obscuro da humanidade, clarividente de forças ocultas que nos assaltam. Por isso, em "A Bruxa" e "Nosferatu", há uma histeria, uma negação em torno do desconhecido. O que não é totalmente compreensível, ganha um outro lugar, de rejeição.

É uma pena que, com uma personagem tão forte e um tema com esse grau de complexidade, Eggers se perca, em sua adaptação de "Nosferatu", por composições visuais excessivas, responsáveis por dilatar em demasia certas cenas que teriam a mesma função se resolvidas de maneira mais simples. Em alguns momentos, surge "barulhento" demais, quando a narrativa pede uma certa quietude.

Os diálogos muitas vezes repetem o óbvio, perdendo uma conexão mais fluida com as imagens. Dafoe não sabe o que fazer com seu professor Albin von Franz. Começa com um personagem dúbio, cheio de perturbações por tudo que já investigou sobre o inexplicável, e termina como uma espécie de narrador em cena. Desta forma, Eggers deixa pouco espaço para a imaginação, algo fundamental em filmes de horror.