“A música é uma forma de verbalizar e harmonizar sentimentos desconfortáveis e negativos.” “Quando estou pintando ou esculpindo, é como se eu entrasse num mundo à parte.” “O teatro me conecta com outras pessoas, e essa troca constante de energia e criatividade reforça meu senso de pertencimento e propósito.”

Estas frases são de pessoas que não apenas apreciam arte, como também produzem-na. De certa forma, os três praticam a arteterapia, que nada mais é que um processo em que se usa a criação artística como ferramenta para se expressar e se comunicar. “Conhecer e explorar a arte permite entender mais sobre si mesmo e sobre o outro: ela abre espaço para que todos possam se expressar, trazendo sua perspectiva sem medo, tanto no papel de quem cria quanto no de quem observa”, explica a artista plástica e arteterapeuta, Sandra Santiago.

O primeiro relato é da estudante de psicologia Milena Fernandes, de 21 anos. Ela canta e toca e foi na adolescência que começou a ter contato com a arte, música especialmente. “Tive a influência da minha irmã, que era admiradora da música popular brasileira e bastante atenta às questões culturais. Isso me aproximou naturalmente da arte”, relembra.

Mas também foi nesta época da vida que Milena descobriu ser uma pessoa perfeccionista e autocrítica, o que lhe causou certo sofrimento. “Na música, entendi que não adiantava persistir com esse padrão inflexível de comportamento, já que ela perderia o sentido artístico quando analisada sob a ótica da exigência e da perfeição. A partir disso, pude enxergar na música um ambiente que permitia a performance para além da rigidez”, salienta.

A arteterapeuta Sandra Santiago observa em seu dia a dia movimentos semelhantes aos de Milena. Muitos de seus alunos procuram-na para aprender técnicas de desenhos e pinturas em busca de obras perfeitas. Mas, ao colocarem as mãos às obras, acabam percebendo que a excelência está, muitas vezes, na irregularidade.

Sandra Santiago é arteterapeuta. Foto: Alex de Jesus / O Tempo

 

“Procuro equilibrar as duas abordagens: a técnica e a vivência em arteterapia. Por exemplo, se em um dia não estou com energia para pintar ou se os alunos não estão em um momento emocional favorável, busco propor vivências arteterapêuticas. É comum que, durante essas atividades, as pessoas relatem: ‘Que bom que você me deu esse espaço’", conta.

Sandra Santiago ensina técnicas e arteterapia. Foto: Alex de Jesus / O Tempo

 

"Além disso, sempre oriento os alunos sobre o que estão produzindo. Ajudo a observar alguns pontos e a encontrar significados no que estão criando. A arte, seja pela técnica ou pela abordagem mais livre, proporciona um espaço único de expressão e autoconhecimento”, indica.

As duas outras frases do início desta reportagem são, respectivamente, do artista plástico Aurino Neto, de 38 anos, e do ator e produtor cultural Felipe Sanssi, de 29 anos. Neto (@netoams) conta que, quando começa a pintar ou esculpir, se esquece das horas e deixa de lado qualquer tipo de preocupação.

“Fico tão concentrado que nem percebo o tempo passar. Esse processo me dá um senso de realização muito grande, como se eu estivesse criando algo importante para mim e para o mundo. Além disso, me ajuda a esquecer os problemas e a focar no presente”, destaca. Para artista plástico, a cultura é parte fundamental de sua vida. “Sinto que a cultura me ajuda a relaxar, a dar uma pausa na correria da vida. Ela reduz a ansiedade e renova minha energia. É como se, ao me desconectar por um momento, eu voltasse mais inteiro e preparado. Também me deixa de melhor humor e com a cabeça mais tranquila”, aponta. 

O ator Felipe Sanssi (@felipesanssi) também encontra este tipo de concentração na arte, especialmente no teatro. Em 2019, quando deu os primeiros passos em sua trajetória artística, percebeu que poderia usar o “teatro como uma ferramenta poderosa de autoconhecimento e equilíbrio emocional.” 

“Os efeitos da cultura na minha saúde mental foram significativos. O teatro, em particular, teve um impacto direto na diminuição da minha ansiedade, porque sempre fui muito agitado e fazia várias coisas ao mesmo tempo. Quando entrei para o teatro, comecei a entender as dinâmicas dos ensaios, a construir personagens e a estar no palco. Isso me exigiu uma presença plena no momento, o que me ajudou a focar no agora e a reduzir preocupações excessivas com o futuro. Hoje em dia faço algo que nunca imaginei fazer antes, ser empreendedor. Fundar o Conexões Artísticas foi um divisor de águas no meu entendimento como profissional e de saber do que sou capaz”, comenta. 

O ator notou ainda que atuar exige explorar emoções e experiências, tanto as dele quanto a do personagem. “Isso cria para mim um espaço seguro para compreender e processar meus sentimentos. É uma forma de terapia em ação”, salienta.

Entre o produzir e o consumir

Tanto consumir cultura quanto produzir arte são excelentes ferramentas para a saúde mental e podem trazer muitos benefícios, atesta a arteterapeuta e psicóloga Daniele Castelani.

“Consumir arte traz um estado maior de contemplação. Nesse sentido, a pessoa lida com a arte de forma mais passiva, absorvendo aquilo e sendo tocada pela expressão criativa, seja por meio de uma música, filme, série, dança, pintura, fotografia... Produzir arte, por sua vez, faz com que a pessoa lide com a expressão artística de forma mais ativa, também sendo tocado e lidando com emoções, mas de uma maneira onde a pessoa exerça a criatividade e o fazer”, indica.

As duas práticas, a propósito, podem acontecer simultaneamente ou em diferentes momentos da vida, a depender do estado em que cada pessoa se encontra. “Não é possível generalizar, mas é comum que um corpo e mente mais cansados tenham mais necessidade de consumir arte, de forma mais contemplativa e passiva, assim como uma mente mais ansiosa, eufórica e enérgica pode demandar a criação de algo”, salienta a psicóloga.

Daniele começou a aplicar a arteterapia quando notou que, em seus atendimentos psicoterapêuticos, nem todos tinham recursos para expressar o que estavam sentindo e pensando. “Percebi então que algumas pessoas conseguiam colocar para fora o que estavam sentindo por meio de uma poesia que tinham lido, de uma música que ouviram ou de uma cena de filme”, afirma.

Independentemente se produz ou se consome arte, Daniela destaca que ambos contribuem significativamente para a saúde mental. “Participar dessas atividades podem proporcionar momentos de prazer, alegria e diversão para o indivíduo. Além disso, por meio delas, é possível desligar-se das tarefas e preocupações do dia a dia num processo que chamamos de presentificação – o ato de estar presente e conectado com algo. Assim, ao se divertir, ter prazer e se conectar e focar em algo que gere prazer, se aumenta a sensação de pertencimento e de sentido de vida e concomitante a isso, aumenta a liberação dos hormônios do prazer, que quando liberados, reduzem os desconfortos e aumentam a saúde mental e física”, conclui.