Ao som de aplausos e canções, Belo Horizonte se despediu de Lô Borges nesta terça-feira (4/11), quando o velório do músico e compositor mineiro, um dos fundadores do Clube da Esquina, reuniu fãs, familiares e amigos no foyer do Palácio das Artes em uma despedida que foi, ao mesmo tempo, um rito de luto e de celebração do legado deixado pelo artista.

Desde as 9h, uma fila se formou na entrada deste templo da cultura mineira. Muitos traziam flores, outros vinham vestindo camisetas com a imagem do artista ou trechos de suas canções. Havia quem empunhasse vinis do artista. Em meio ao choro contido e às trocas de abraços, os presentes se despediam de um dos nomes mais inventivos da música brasileira, morto no domingo (2/11), aos 73 anos, por falência múltipla dos órgãos em decorrência de complicações de uma intoxicação medicamentosa.

No saguão, coroas de flores enviadas por artistas e autoridades – entre elas uma do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da primeira-dama Janja – homenageavam o artista. Também enviaram homenagens Toninho Horta, Djonga e os integrantes do Skank e do Jota Quest.

Velório de Lô Borges, no foyer do Palácio das Artes | Crédito: Alex de Jesus/O Tempo

Entre as autoridades, marcaram presença figuras como o prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, e as secretárias de Cultura de Minas e da capital, Bárbara Botega e Eliane Parreiras.

A despedida foi marcada por uma série de tributos musicais. Pouco depois das 11h, por exemplo, o Coral Lírico de Minas Gerais e o Coral do Senado, de Brasília, entoaram canções eternizadas por Lô, como “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” e “O Trem Azul”, acompanhadas em coro pelos fãs. O músico e ator Maurício Tizumba, ao lado de seu grupo de percussão, também prestou tributo. Durante a cerimônia, uma bandeira do Cruzeiro – o time do coração de Lô – foi colocada sobre o caixão, em meio a aplausos.

Entre os familiares, o irmão Yé Borges recordou os últimos dias de vida do artista. “Foram muito difíceis. Ele estava cheio de planos, faria um show com o Zeca Baleiro, tinha a agenda lotada até o fim do ano. Compunha compulsivamente. Foi tudo muito repentino, ele estava surpreso com a própria internação”, contou. “O que conforta é ver o quanto o Brasil inteiro se comoveu. O país perdeu um de seus maiores compositores – e eu perdi um irmão”, comenta.

O maranhense Zeca Baleiro gravou um álbum com Lô Borges em 2024. Eles fariam show juntos neste ano. Crédito: Alex de Jesus/O Tempo

Citado por Yé, Zeca Baleiro estava entre os tantos nomes da música brasileira que o velório reuniu. “O Lô me ligou no ano passado dizendo: ‘Zeca, fiz 10 músicas e queria que você pusesse letra’. Fui me emocionando com aquilo, porque era o Lô Borges. Ele tinha um jeito único e inimitável de fazer melodias”, elogia. Juntos, os dois trabalharam no álbum “Céu de Giz”, lançado em 2024. O maranhense contou que soube da morte do amigo a caminho de Belo Horizonte. “É uma semana dura para mim, particularmente”, disse o artista, que, também no domingo (2/11), perdeu a cantora e produtora Rossana Decelso, aos 67 anos. Ela atuou como sua empresária. 

Companheiros de longa data do artista, Toninho Horta e Flávio Venturini também estiveram presentes na cerimônia. Toninho, ao falar com a imprensa, lembrou a espontaneidade que marcou a criação do histórico álbum Clube da Esquina (1972): “O disco foi feito de forma despretensiosa, todos os arranjos na hora. Faltava um instrumento, eu ia para o baixo, o Beto (Guedes) ia para a bateria… Essa fluidez foi o nosso fio condutor”, comentou, inteirando que, para ele, “caras como o Lô não morrem”. “Seguem nessa constelação, trocando energia com a gente de outra forma”, define.

Amigo e parceiro de décadas de Lô Borges, Toninho Horta lamenta sua partida | Crédito: Alex de Jesus/O Tempo

Flávio Venturini, por sua vez, destacou a dimensão artística e humana do amigo. “Ninguém na minha vida foi tão importante quanto o Lô. Ele foi uma inspiração desde 1969, quando o vi em um festival em Belo Horizonte. Mostrou que era possível conquistar o Brasil e o mundo”, assinala.

Já o cantor Samuel Rosa, ex-vocalista do Skank, definiu Lô como um “mestre”.

“O Brasil tem que estar muito agradecido pelo legado que o Lô nos proporcionou. Ele mostrou que era viável nascer em Belo Horizonte e fazer uma música que interessasse ao Brasil e ao mundo. Para mim, é um orgulho poder dizer que esse cara trabalhou comigo. Ele não tinha o menor apego a nada material, só queria fazer música – e fazia isso como ninguém”, arrematou.

Samuel Rosa expressou sua admiração por Lô ao falar com a imprensa durante o velório do amigo | Crédito: Alex de Jesus/O Tempo

Os irmãos Rogério Flausino e Wilson Sideral também estiveram presentes. “De ontem para hoje, houve tantas homenagens, tanta gente comentando dessa partida e relembrando histórias… A gente revendo as letras, as imagens, tudo. Quanta beleza o Lô e todos os seus parceiros incríveis escreveram”, disse Flausino.

Já Sideral destacou o papel simbólico do músico: “O Lô leva um pedacinho de Belo Horizonte, um pedacinho de ser mineiro. A essência de Minas Gerais está presente aqui, nessa partida. A gente está triste, mas grato por tanta poesia e por tanta beleza”.

Último adeus

Pouco antes das 15h, as portas do foyer foram fechadas para a despedida íntima da família. O momento começou com o hino do Cruzeiro, seguido por clássicos como “Paisagem da Janela” e “O Trem Azul”, cantadas entre aplausos. Do lado de fora, a multidão de fãs também acompanhava o rito, transformando o saguão de entrada em um grande coro de despedida.

Por volta das 15h20, o corpo de Lô Borges deixou o Palácio das Artes em cortejo, seguido até o Parque da Colina, onde ocorreu o sepultamento em cerimônia reservada. Carros que passavam pela avenida Afonso Pena buzinavam em sinal de respeito.

Fãs realizaram cantoria na segunda-feira

Um dia antes do velório, homenagens espontâneas a Lô Borges já tomavam Belo Horizonte. 

No encontro do 'divino' com o 'paraíso', fãs se reuniram em uma cantoria em homenagem a Lô Borges | Crédito: Rodney Costa/O Tempo

Na cidade, fãs e admiradores realizaram uma cantoria na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis, berço do Clube da Esquina, no bairro de Santa Tereza, onde uma pequena multidão se reuniu no monumento em homenagem ao grupo, onde entoou músicas que marcaram a carreira de Lô. 

O evento contou com nomes de músicos como Gabriel Guedes e Julia Guedes, Fred e Nico Borges, Makely Ka, Pablo Castro, Bárbara Barcellos, Flávio Boca, Marcelo Dande, Daniel Godoy, Vito Mancini, entre outros.

Milton Nascimento ainda não sabe da morte do amigo

Milton Nascimento ainda não sabe da morte de Lô Borges, seu parceiro de Clube da Esquina e amigo de uma vida toda. É o que conta Augusto Nascimento, filho do músico, que foi diagnosticado com um quadro de demência.

“Por uma instrução médica, a gente vai contar durante uma consulta de rotina, no sábado (8/11). Vamos contar juntos, eu e o médico”, relata ele em breve conversa com a imprensa. 

Augusto Nascimento, filho de Milton Nascimento, diz que tinha Lô como um tio | Crédito: Alex de Jesus/O Tempo

“De todas as vezes que tive que ter um diálogo difícil com meu pai, essa é a pior”, descreve, inteirando que Lô era como um irmão caçula para Bituca. “Então decidimos, eu e o médico, contarmos juntos para que ele esteja assistido e seguro”, reforça.

Augusto conta que, para seu pai, o parceiro de composição e de vida era “parte da família”. “A gente se falava de forma muito carinhosa. Ele sempre me acolheu muito. Era parte da família. O Lô tinha um respeito com meu pai, um carinho, uma fidelidade que poucos amigos tiveram com ele na vida. Eles foram fiéis um ao outro ao longo de todas essas décadas. Nunca tiveram altos e baixos. Sempre tiveram um amor pleno”, recorda.

“O Lô esteve lá em casa em março. Ele passou uma tarde com meu pai. Os dois tinham uma característica engraçada: juntos, pareciam dois garotos relembrando a vida. E aí o Lô me chamou, queria que eu gravasse uma história que ele queria contar – que o primeiro violão que ele teve foi um violão que meu pai deu para ele, o próprio violão do meu pai. Então, meu pai se despiu do seu instrumento para que o Lô tivesse um violão”, narra.

Para ele, essa lembrança registrada no vídeo, que, publicado por Augusto, repercutiu nas redes, “mostrava essa amizade singela, esse lugar de afeto puro”.