A bruxa má da animação brasileira "Fabulosos João e Maria", em cartaz nos cinemas, não fica na floresta, esperando incautas crianças para aprisioná-las e devorá-las. "Ela entra na casa das pessoas e provoca o caos de forma que ela seja a única solução possível",registra o diretor Arnaldo Galvão, que levou 25 anos para ver o filme sair do papel e ganhar o circuito, após passar por vários festivais internacionais.

A forma como essa bruxa entra na casa das pessoas não é literal, é bom que se diga. Ela é a apresentadora de um programa muito popular. "Todo filme de terror começa com os personagens inocentemente entrando num castelo sombrio depois que o Sol foi embora faz muito tempo. Por que não podemos inverter isso e transformar a Bruxa numa pessoa sedutora que todo mundo deixa entrar em casa?", indaga.

"A bruxa poderia ser um médico ou um padre. Uma pessoa em quem nós estamos acostumados a confiar e deixar entrar em nossa casa. Então a Bruxa ser uma apresentadora não é uma crítica aos meios de comunicação e sim uma mudança de perspectiva, uma subversão da história", detalha Galvão, que vê muitos pontos em comum entre o conto original, escrito pelos irmãos Grimm em 1812, e a realidade de hoje.

"O conto original fala sobre um capitalismo selvagem onde as crianças são abandonadas porque os pais não têm condições financeiras de arcar nem com os custos elementares de alimentar os filhos. Guardadas as devidas proporções, esse mesmo capitalismo selvagem ainda provoca uma assimetria gigante, principalmente em países como o Brasil e onde as crianças são as principais vítimas", analisa.

"Quando um presidente de uma grande potência assume o poder e fala que devemos voltar para os combustíveis fósseis e abandonar os canudos de papel para que voltem os de plástico, não é só uma provocação. É um dedo apontando para o caos", alerta Galvão. Mas ele ressalta que o filme não é um tratado sociológico. "Nossa intenção primeira é divertir as crianças e as famílias que vão assistir".

Outra mudança substancial é a retirada de cena do caçador, que figura como herói na escrita dos Grimm. "Todo filme de animação, inevitavelmente, tem a figura do conselheiro, uma pessoa mais velha e com sabedoria infinita que funciona como mestre e mentor, que vai orientando o caminho. O filme faz mais uma subversão ao colocar essa figura como o astronauta, que literalmente caiu na Terra sem paraquedas", comenta.

O personagem vindo dos céus, porém, é o mais perdido e desorientado de todos. Então, resta às crianças buscar a sobrevivência por conta própria. É quando "Fabulosos João e Maria" aborda forças ancestrais. "Quando falamos de ancestralidade é sobre uma força que temos e não sabemos. São gerações e gerações sobrevivendo no planeta. Esse conhecimento é o melhor guia espiritual que precisamos".

Para os adultos, não faltam também referências a outras produções cinematográficas, como o japonês "Meu Amigo Totoro" (1988), um clássico da animação japonesa, além da ficção científica "Matrix" e da série "Jeannie é um Gênio", lançada há 60 anos. "Acho que um filme deve ser o mais agradável possível para toda a família, envolvendo as crianças e também proporcionando diversão para os adultos", receita.