A recém-divulgada pesquisa Cultura nas Capitais, realizada pela JLeiva Cultura & Esporte com patrocínio do Itaú e do Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Rouanet, aponta, entre outros aspectos, para a importância da ocupação de espaços públicos na difusão da cultura em Belo Horizonte, e evidencia como ações de descentralização e valorização da produção local são estratégicas nesse sentido para a ampliação do acesso a espaços, eventos e atividades culturais. A avaliação é do pesquisador e consultor João Leiva, que coordenou o estudo.

“Quando perguntamos qual espaço e evento aquela pessoa mais frequenta, tivemos uma profusão de diferentes respostas. Estão lá espaços conhecidos, como os equipamentos do Circuito Liberdade ou o Conjunto Moderno da Pampulha, mas também ginásios, pistas de skate, parques, praças, ruas, centros culturais, igrejas, pistas de skate… Há uma diversidade enorme de locais citados (no total, foram 123), que merecem um olhar mais atento e mostram como o público busca alternativas perto delas”, examina Leiva. Como exemplo, ele cita os casos de entrevistados que vivem e trabalham em bairros com baixa oferta de equipamentos de cultura oficiais, buscando alternativas como bares com rodas de samba ou mesmo atividades na escola dos filhos.

A busca por atividades culturais perto de onde as pessoas vivem e a valorização de eventos que tratam de questões locais, que mostram a ligação entre cultura e território, voltam a aparecer quando os participantes do levantamento são questionados sobre qual tema consideram mais importante de ser abordado em eventos culturais. A acessibilidade lidera este ranking, com 80% das citações, enquanto a “realidade do lugar onde mora” aparece em segundo, com 72%.

Para Eliane Parreiras, à frente da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte (SMC), essa forte relação dos moradores de BH com a territorialidade representa um traço característico da cidade. Vocação que, diz ela, é reforçada por uma política pública continuada de descentralização, que vem sendo executada ao longo de décadas. “Nada mais lógico, nesse cenário, que o Carnaval apareça (citado por 19% dos entrevistados) como evento belo-horizontino mais importante, sendo o segundo mais frequentado (por 21% dos ouvidos), atrás apenas das festas juninas (que atraem 26% dos moradores que participaram do estudo)”, argumenta.

“Acredito que o Carnaval assume esse protagonismo, surge como referência, justamente por agrupar uma série de atributos caros à forma como se dá o acesso à cultura em BH. Para começar, é uma manifestação popular que está dentro de todas as comunidades, guarda forte relação com os territórios, sendo distribuída de forma descentralizada. Há também uma forte relação com a comunidade, convidando muitas pessoas a se iniciarem, por exemplo, na percussão para fazer parte das baterias dos blocos”, destaca a gestora pública, ressaltando que, para ela, os melhores resultados obtidos pela cidade vêm de uma sinergia entre o engajamento da sociedade civil e as políticas públicas novas ou continuadas propostas pelo Poder Público.

Barreira etária

Um ponto de alerta, comum a todas as capitais brasileiras, é a queda significativa de acesso à cultura a partir da faixa etária dos 45 anos. “É algo que identificamos em todas as atividades, exceto música clássica”, situa o consultor, lembrando que, em países do Norte global, essa contração acontece mais tarde, a partir dos 65 anos ou mais. 

“A maior parte das políticas públicas são desenvolvidas para os jovens, que são os consumidores do futuro e, no presente, são muito ativos na sociedade e alcançados com facilidade – eles estão agrupados em espaços como as escolas e universidades. Já os adultos e, principalmente, os idosos são mais desassistidos e é mais difícil chegar a esse grupo em grande volume – sua presença está mais pulverizada nos espaços”, compara, acrescentando que questões como falta de tempo, não se enxergar como público das atividades, problemas de saúde, falta de companhia e até dificuldade de acessar informações, atualmente disponíveis mais digitalmente, tendem a afastar essas pessoas do universo cultural urbano.

Há ainda um contexto histórico que precisa ser considerado. “Como tivemos um déficit educacional no passado e, por conta disso, esse idoso teve menos condições de ter boa renda ao longo da vida e, hoje, convive com esse emaranhado de questões, além de não se sentir pertencente aos espaços culturais”, sugere. “A tendência é que esses índices melhorem no futuro, pois esse déficit educacional foi superado, o que aumenta a probabilidade de acesso à cultura. Mas é fato que existe hoje uma população desassistida”, complementa.

Essa invisível barreira geracional também chamou atenção de Eliane Parreiras. “É algo sobre o qual vamos nos debruçar para entender e, depois, enfrentar”, garante. A secretária de Cultura de BH informa que, nos próximos dias, vai fazer uma imersão nos achados do estudo junto com sua equipe e com consultores da JLeiva. Entre as ideias postas na mesa está a busca por medidas que sejam efetivas na atração do chamado público potencial, que gostaria de ir, mas não foi a espaços ou eventos culturais nos 12 meses anteriores à pesquisa. “Em boa parte, essas pessoas dizem não ter ido por falta de tempo (no quesito museus, a justificativa foi usada por 36% das pessoas ouvidas). Então, sabemos que há um recorte de classe que precisa ser considerado nessa equação”, assinala.