Nascida na Espanha, criada na Inglaterra e residente dos Estados Unidos, a atriz Millie Bobby Brown veio ao Brasil para a turnê de divulgação de seu mais recente filme, "The Electric State", que estreou mundialmente na Netflix no último dia 14. Alçada à fama pela personagem Eleven, de "Stranger Things", ela cresceu sob o escrutínio nem sempre gentil da mídia. Chegou aos 21 anos de idade e 11 de experiência profissional com maturidade e humildade - afirma que "ainda está aprendendo" -, mas é, inevitavelmente, exemplo para a geração Z. Em 2018, ela se tornou a pessoa mais jovem da história a aparecer na lista das cem pessoas mais influentes do mundo da revista "Time" e a mais jovem a ser nomeada Embaixadora do Unicef, papel que ela está desempenhando, inclusive, no Brasil. Depois de participar de rodadas de entrevistas e um baile de Carnaval oferecido pela Netflix a fãs e convidados, ela visitou uma escola municipal em São Paulo, conversou com adolescentes e brincou com crianças. Nesta entrevista a O TEMPO, numa mesa redonda em São Paulo, ela fala com empolgação sobre o filme "The Electric State" e conta como deseja inspirar mulheres a serem protagonistas de suas próprias vidas.

 

A história de "The Electric State" destaca os relacionamentos familiares e a autodescoberta dos personagens. Como você se preparou para interpretar Michelle e o que mais se destaca para você sobre ela?

Acho que nunca tinha interpretado uma personagem assim antes. Eu estava realmente interessada em dar vida a alguém que lidou com uma quantidade imensa de dor e perda. E ela tem um arco de personagem incrível em termos de onde você a vê no começo até onde você a vê no final. E adoro colocar heroínas femininas como protagonistas na tela, para que meninas de todo o mundo se sintam inspiradas e motivadas a serem heroínas em suas próprias vidas e em suas próprias histórias.  Acho que isso é o que me fez gravitar em direção ao papel. Isso e trabalhar com os (irmãos Joe e Anthony) Russo.


Suas personagens femininas são sempre muito poderosas. Como Michelle se encaixa na sua posição de inspirar jovens garotas?

Bem, eu acho que Michelle mostra que não é tudo flores e arco-íris, certo? Que a vida pode ser difícil, te dar cartas ruins e te colocar em situações onde você lida com perda, luto, dificuldades, tristeza, raiva, negação e problemas familiares ou com amigos, ou o que quer que você esteja passando. Michelle meio que mostra o lado difícil (da vida). Alguns dos meus personagens mostram o lado brilhante e divertido - o que é ótimo, mas às vezes essa não é a realidade das pessoas. Então, eu gostei da dicotomia que Michelle conseguiu mostrar para a minha geração, que este é também o outro lado desse espectro e como ela consegue superar isso.


Você trabalha desde os 10 anos. Imagino que sua relação com o trabalho agora seja completamente diferente do que era antes. Como você escolhe seus papéis?

Se o roteiro está contando uma história que ajuda a inspirar as pessoas, motivar as pessoas, e eu estou colocando no mundo conteúdo que me parece impactante e significativo, então eu quero dar vida a isso. E você poderia dizer que tudo o que as pessoas fazem é isso, mas eu discordo. Eu acho que há alguns conteúdos que não colocam as mulheres no centro das histórias. E é isso que eu quero fazer com minha produtora, PCMA, queremos colocar as mulheres em destaque, sem medo, porque as mulheres podem liderar histórias, especialmente as mulheres jovens. E é por isso que eu amo tanto a Netflix, porque eles sempre me deram a oportunidade de estar no centro das coisas. Eles confiam em mim, acreditam em mim como acreditariam em um homem, e acho que isso é algo muito raro. Então, tive muita sorte de poder dar vida a histórias para eles.

 

"(Queremos) criar coisas que deem às mulheres a oportunidade de mostrar seu talento. Não porque sentimos que temos que fazer isso, mas porque elas realmente merecem. E simplesmente não lhes são dadas as oportunidades"


Você já está acostumada a trabalhar em produções que revisitam décadas passadas. Que oportunidades surgem para você como artista ao participar de uma época que você não viveu?

Acho que é porque eu não conheço, certo? Porque as pessoas às vezes gostam de assumir papéis com os quais se sentem confortáveis. Gosto de assumir papéis que parecem estar fora da minha zona de conforto. Coisas que eu fico tipo 'Ah, eu não sei nada sobre isso". Porque me ensina e me educa. Eu não sei tudo. Tenho 21 anos, então ainda estou aprendendo. Então, para mim, mergulhar em uma história com a qual não estou tão familiarizada, com a nostalgia dos anos 90, eu gosto de me envolver em coisas que não conheço para poder aprender. É mais ou menos isso que me colocou nessa situação antes.

 

Sempre sentimos que a amizade e a irmandade são coisas muito importantes nas suas personagens, com uma entrega emocional muito forte que você faz muito bem. De onde vem essa conexão emocional profunda? Como você se sente ao retratar isso nos filmes? 

Bem, eu acho que a irmandade e a amizade são coisas enormes que espero que toda mulher, e jovem mulher, tenha a oportunidade de vivenciar. Obviamente, espero que todos consigam vivenciar isso, mas acho particularmente importante que as mulheres tenham boas amizades femininas e grandes conexões, porque juntas as mulheres são mais. Mulheres motivam mulheres. Mulheres inspiram mulheres. Então, para mim, dar vida a isso na tela é muito, muito importante. Acho que vocês não sabem disso, mas o Cosmo (robô com quem Millie contracena em "The Electric State") foi interpretado por uma atriz de captura de movimento, o nome dela é Devyn (Dalton), e ela e eu tínhamos essa amizade maravilhosa. Então vocês não viram isso porque viram o Cosmo, mas na verdade eu tinha uma irmã no set que me ajudava a atuar. A Devyn foi uma parte enorme do motivo pelo qual minha performance foi como foi. É porque ela, com sua emoção e sua performance, tirou muito de mim. Então eu acho que as mulheres inspiram mulheres, e ela definitivamente me inspirou. Então havia muito disso acontecendo no set também.

"Sabia que acho que alcancei um milhão de seguidores por causa dos meus fãs brasileiros? Sou muito sortuda. E estou feliz por estar de volta"


Qual foi a parte mais difícil na produção de "The Electric State", fisicamente ou emocionalmente?

Acho que provavelmente foi aprender a trabalhar com um robô. Porque a Devyn era um ser humano. Então, por mais que eu quisesse pegar na mão dela e puxá-la e abraçá-la, estou abraçando carne. O corpo meio que... você abraça como se estivesse abraçando uma pessoa. Então eu tive que aprender a abraçar um robô, que é mais metal. É mais difícil. Você tem que aprender a abraçar de uma maneira diferente do que normalmente faria, o que meio que soa louco, mas é apenas uma nova maneira.  E definitivamente, foi mais desafiador aprender esse tipo de coisa. Uma vez que peguei o jeito, foi muito fácil. Mas as primeiras duas, três semanas, eu estava tipo 'Como eu faço isso?'. Então foi, sim, diferente.

Há uma cena em que vocês estão de mãos dadas. Naquele momento específico, o que pensei foi exatamente isso: parece que ela está segurando uma pessoa.

Sim, exatamente. E é por isso que os irmãos Russo são tão brilhantes no que fazem, porque eles te dão todas as ferramentas. Eles não fazem você apenas atuar, certo?  Eles não fazem você atuar em um estúdio vazio com uma tela azul. Eles colocam tudo lá para você. Te dão todas as ferramentas, recursos e apoio, e você consegue atuar em um mundo que realmente existe. Então, não havia tanta imaginação, tudo estava lá para nós.

 

"A conversa é obviamente muito maior do que o filme, mas nossa esperança é que ajude a impactar o público a questionar o que é a realidade e quanto tempo estão passando com a tecnologia"


"The Electric State" fala também sobre a relação entre humanos e inteligência artificial, mas também abre discussões sobre a exclusão de pessoas, identidade e o medo do desconhecido. Quero saber sua opinião sobre a importância de debater esses tópicos hoje em dia.

Acho que o filme transmite a mensagem de uma maneira linda. Isso que é tão brilhante nos roteiristas, (Christopher) Markus, (Stephen) McFeely e os Russo, os criativos por trás disso, porque não é uma mensagem que está na cara do filme.  Você não sente isso enquanto assiste, mas quando termina o filme, você pensa: 'Oh, isso meio que me fez questionar tudo'. Porque aí você pega seu telefone para pedir o seu carro e então o Uber aparece; você entra no carro, e porque a viagem é meio chata, você pega o telefone de novo e fica rolando o feed infinito (doomscroll); chega em casa, liga a TV e rola o feed no celular; vai para a cama e rola o feed mais uma vez... Temos esse ciclo vicioso com a tecnologia onde dependemos tanto dela para passar o dia. Este filme destaca coisas importantes tipo: 'Que tal apenas olhar para cima da sua tela? Viva o momento. Aproveite o filme. Fique para os créditos. Aproveite a arte que colocamos na tela por duas horas, mas depois vá e implemente essa mensagem na sua vida cotidiana.' E acho que eles fizeram um trabalho fantástico. Acho ótimo que este filme tenha sido lançado neste momento, porque... A conversa é obviamente muito maior do que o filme, mas nossa esperança é que ajude a impactar o público a questionar o que é a realidade e quanto tempo estão passando com a tecnologia. E para a minha geração, espero que isso eduque a minha geração sobre as conversas que são maiores do que este filme, para se manter informada, para assistir às notícias, para realmente se manter informada sobre o assunto, porque isso está acontecendo de verdade. Está lá. Então, se pudermos fazer algo para ajudar a estabelecer limites e proteger áreas do mundo que deveriam ser apenas para isso, acho que é importante. Há equilíbrio, e tudo deve ser equilibrado.  


Você é muito grande no Brasil. Você tem uma relação com o público brasileiro?

Meu Deus... Eu amo o Brasil. Tive muita sorte de estar aqui. Já estive aqui antes.  Na verdade, consegui fazer uma turnê pela América do Sul, então realmente pude meio que explorar a América do Sul, que é tão linda. Mas eu amo estar aqui. A maioria dos meus fãs está aqui, o que as pessoas não conseguem acreditar, mas meus fãs brasileiros são tão dedicados! Eles são meus fãs há, nossa, quase 10 anos, eu acho.  Sabia que acho que alcancei um milhão de seguidores por causa dos meus fãs brasileiros? (Hoje, ela tem mais de 63 milhões de seguidores apenas no Instagram)  Então, sou muito sortuda. E estou feliz por estar de volta para trazer este filme e poder aproveitar algumas das coisas que eles celebram, sabe, o Carnaval. Não só estão me celebrando, mas agora eu realmente posso celebrar eles e a cultura deles.


Há um papel dos sonhos no seu futuro?

Tenho coisas em mente que, claro, eu adoraria fazer. Mas, quero dizer, no fim das contas, é até que isso apareça para mim e ressoe comigo e eu sinta que posso fazer.  Porque eu não gosto de receber coisas só porque eu quero. Quero ser capaz de conquistá-las. E só se eu sentir que sou capaz de dar vida a uma história, porque há tantas atrizes fenomenais na minha área, que eu amo, que eu adoro, que eu acho absolutamente incríveis e tão talentosas. E sou tão sortuda por estar em um momento em que há tanto espaço para todas nós, e todas temos forças diferentes. Então, se eu puder caminhar com elas, ótimo. Mas se houver uma história que se encaixe melhor para elas, eu adoro isso. Até que apareça (um papel) na minha porta, eu leia e sinta que posso fazer da melhor maneira que conheço, aí eu faço. Mas se não for, e eu sentir que há alguém por aí que se encaixa melhor, eu adoro isso e quero colocar mais mulheres na tela.

 

Ser dona da sua própria produtora é uma maneira de colocar mais mulheres na tela?  

Sim. Minha produtora é a PCMA Productions, nós produzimos "Donzela", "Enola Holmes" 1, 2 e agora o 3. Mas temos tantas coisas em andamento agora... Mas sim, nosso tema comum e nosso manual de regras é que o foco principal precisa ser nas mulheres. E se sou eu, ótimo. Mas se também for colocar outras mulheres na tela, ótimo. E trazer jovens cineastas mulheres para o set também. (Queremos) Apenas colocar as mulheres em destaque para que possamos criar coisas que deem às mulheres a oportunidade de mostrar seu talento. Não porque sentimos que temos que fazer isso, mas porque elas realmente merecem. E simplesmente não lhes são dadas as oportunidades.