Joanna nasceu um ano antes do estrondoso sucesso de “Cabecinha no Ombro”, que, em 1958, recebeu nada menos do que 14 regravações, incluindo três em castelhano. Na década de 1990, ela retornaria com força na trilha da novela “Pedra sobre Pedra”, da Rede Globo.

A música foi a primeira que a cantora se recorda de ter aprendido ao violão, ganhado de presente da família aos 12 anos de idade, e com a qual ela costumava homenagear a mãe, fã da guarânia de Paulo Borges, definida como “rasqueado” por Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, que, no livro “A Canção no Tempo”, escrevem: “Apenas um verso pitoresco, cantado sobre uma melodia simples, de fácil memorização, pode às vezes despertar a atenção e a simpatia do público”.

“Era uma música fácil de tirar ao violão e que está no panteão de nossas músicas antigas”, corrobora Joanna, que, neste sábado (10), estreia em BH sua nova turnê de sucessos. Batizada Maria de Fátima, ela já assinava como Joanna, sugestão de um produtor do mercado fonográfico, quando lançou seu primeiro álbum, “Nascente”, em 1979, mote dos 45 anos de estrada que ela pretende comemorar pelos palcos do Brasil.

A partir de então, Joanna engataria uma sequência impressionante de seis discos de ouro consecutivos, dois de platina e um de platina triplo, graças às milhões de cópias vendidas em fins dos anos 1970 e início da década de 1980, que consagraram hits como “Estrela-Guia”, “Chama”, “Descaminhos”, “Cicatrizes”, “Agora”, “Amanhã Talvez” e “Um Sonho a Dois”, este último em dueto com o Roupa Nova. Adiante, “Morrendo de Amor”, versão de Paulo Sérgio Valle para “Killing me Softly With His Song”, e “Tô Fazendo Falta” manteriam a intérprete e compositora em alta nas paradas radiofônicas.

Plural

Com sua voz de mezzo soprano, Joanna logo se destacou nos corais da escola. Paralelamente, desenvolveu o gosto pela escrita, influenciada por parentes que atuavam como professores e músicos. Adepta a dividir funções, ela começou a compor em parcerias com Sarah Benchimol e Solange Boeke, gerando futuros clássicos como “Descaminhos”, “Momentos” e “Cicatrizes”.

“Como boa aquariana, sou do plural”, resume Joanna, que sempre partiu “da observação do cotidiano e do hipotético que você transforma em música e letra” para criar. Quando surgiu no cenário fonográfico, Joanna venho acompanhada “por uma enxurrada de cantoras e compositoras como Joyce, Fátima Guedes, Angela Ro Ro, Sandra de Sá”, enumera. Apaixonada pelo teatro, no qual atuou durante muito tempo no segmento infantil, sua primeira referência foi a atriz e cantora Marília Pêra, “pela teatralidade corporal, forte e inusitada no palco”.

Na seara das compositoras, ela experimentou impacto semelhante com Maysa e Dolores Duran. Tanto que “o samba-canção romântico e dolorido pincelou a origem” de suas canções. “Sou filha do samba-canção, quando comecei tinha essa tendência muito forte, depois me debrucei sobre as baladas”, atesta Joanna. Em 1981, um marco de sua carreira foi ter a canção “Nos Bailes da Vida”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, composta especialmente para ela.

A homenagem surgiu durante “uma tarde inteira de conversa no apartamento de Bituca na beira da praia”, no Rio, em que ele e Joanna descobriram terem começado os dois cantando em bailes. Quinze dias depois, Fernando Brant escreveu a letra e a cantora a lançou, sendo seguida pelo próprio Milton em gravação com a presença do Roupa Nova. “Tive a honra de ser a primeira a gravar essa canção que fala de onde vim, das alegrias e dificuldades”, afiança Joanna.

Encontros

O “olhar carinhoso e imenso” de Milton por seu trabalho “enquanto uma artista que estava só começando na música brasileira” já vinha desde o primeiro LP, quando ela registrou “Moreno”, lançada pelo MPB-4 em 1976. “Minas nos trouxe as melhores pérolas da música brasileira”, enaltece Joanna, que estende seus elogios a Lô Borges e Beto Guedes, de quem recentemente regravou o hit “Quando te Vi”, versão de Ronaldo Bastos para “Till There Was You”, em dueto com Roberta Campos que anuncia o projeto “Joanna & Elas”, no qual a anfitriã se encontra com cantoras promissoras da nova geração, como Kell Smith e Bruna Viola.

No caso da sertaneja, elas resgataram “Recado”, de Renato Teixeira, um clássico da discografia de Joanna. “Transformamos em um folk, originalmente ela era mais interiorana, com viola”, detalha. Para Joanna, esse trabalho vindouro tem como mérito revitalizar a sua obra. “Sempre gostei desse tipo de inovação, de estar em contato com as novas tendências da música brasileira, acho que é uma troca saudável de ideias musicais, a partir de canções do meu repertório já conhecidas do grande público”, justifica.

Com tanto tempo de estrada, ela admite que é impossível contemplar uma gama de sucessos tão ampla em um único espetáculo, mas abre-se à possibilidade de “ir modificando o roteiro” a cada apresentação. Falecido recentemente e parceiro de canções como “Tentação” e “Palavras Secretas”, Tony Bahia certamente será homenageado na abertura da turnê.

Outra surpresa será “a presença de canções muito rítmicas”. “As pessoas estão mais acostumadas a me verem cantar músicas românticas. Será um show alegre, bonito, leve, costurado com pequenos textos, muita interação com o público”, promete Joanna.

Parceria com Cazuza e amizade com Gonzaguinha

Deitado numa cama de hospital, onde conviviam quase diariamente, Cazuza entregou para Joanna a letra do que viria a se tornar, numa única noite, o blues “Nunca Sofri por Amor”, gravado pela cantora de uma só tacada, “ao estilo de uma big band”, em 1989. A relação entre os dois era antiga. Joanna conhecia de longa data Lucinha Araújo, que, antes de ser conhecida como a mãe de Cazuza, exercia o ofício de cantora e gravou duas canções da compositora, que entraram para a novela “A Sucessora”, em 1978.

“Nessa época, o Cazuza nem era compositor, entregava discos para a Som Livre, e fomos nutrindo uma amizade”. Com a saúde comprometida pela Aids que o mataria em 1990, o “poeta exagerado” recebeu no hospital e se emocionou ao ouvir a gravação de “Nunca Sofri por Amor”, que, ironicamente, desmentia o pendor romântico de Joanna. Ela registraria a canção novamente em 2004, num dueto com Emílio Santiago, “que adorava Cazuza”.

Joanna ainda espera a oportunidade de colocar em prática uma ideia de Lucinha Araújo, a partir de um caderno com canções inéditas de Cazuza, para gravar o abnegado “lado romântico” do artista. Assim como de Cazuza, ela sente saudades de Gonzaguinha, com quem teceu uma amizade que rendeu várias canções feitas sob medida para seu timbre e sua interpretação, como “Agora”, “Quarto de Hotel” e “Uma Canção de Amor”.

Ciente de sua caminhada, sem entregar-se ao saudosismo, Joanna mira o presente. “Como uma aquariana inquieta por natureza, concretizei muitos dos meus sonhos, gravei ao lado dos maiores nomes da MPB, construí uma carreira sólida nacionalmente e no mercado latino e continuo acreditando que a palavra cantada pode modificar mundos e a mente das pessoas, espero ter muito fôlego ainda…!”, arremata.

Serviço

O quê. Joanna comemora 45 anos de carreira

Quando. Neste sábado (10), às 21h 

Onde. Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046)

Quanto. De $70 (meia) a R$180 (inteira) na bilheteria ou pelo www.sympla.com.br