Em 1997, como fotógrafo da revista “Veja”, Ricardo Stuckert, então com 26 anos, pôde visitar, pela primeira vez, a Comunidade de Nazaré, no Amazonas, onde vivem os indígenas Yanomami. Lá, conheceu a indígena Penha Goés. “Ela tinha 22 anos e uma força no olhar que me chamou a atenção. Fiz uma foto dela com o rosto pintado e os olhos olhando diretamente para a câmera. Aquela imagem me marcou muito. Foi uma das mais importantes da minha trajetória profissional, ficou na minha memória”, recorda.

Quase duas décadas depois, já reconhecido pelo seu trabalho para a Presidência da República do Brasil, cargo que ocupou de 2003 a 2011, durante o governo Lula, o fotógrafo quis reencontrar a fotografada e, quem sabe, refazer aquele retrato. “Demorou quase um ano para conseguir localizá-la e mais três meses para conseguir me organizar para viajar de Brasília”, comenta, inteirando que a Cristina Lino, sua mulher, conseguiu encontrar a indígena depois diversas ligações para postos da Funai e comunidades Yanomami do Amazonas.

Em 2022, o resultado da experiência ganhou a forma de um livro, o “Povos Originários: Guerreiros do Tempo”, do qual é derivada uma exposição homônima, que chega a Belo Horizonte nesta quinta-feira (15 de maio). A mostra apresenta, na sede da ONG Contato, no bairro Serra, histórias e fotos, como as de Penha, coletadas durante este trabalho documental.

“Quando revi a Penha, percebi que conheci uma menina e reencontrei uma mulher, mãe de seis filhos, que fez enfermagem e passou a cuidar da aldeia e que também trabalha como tradutora Yanomami no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) em São Gabriel da Cachoeira (no Amazonas)”, recorda. Mas não era somente a fotografada que havia mudado desde a última visita.

Registro de grupo indígena em território Yanomami | Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Transformações

“De 1997 para cá, testemunhei transformações e desafios que, persistentemente, essa população enfrenta”, menciona. Para ele, uma das mais evidentes transformações observadas ao longo desse período foi o aumento da pressão sobre o território Yanomami, principalmente devido à exploração mineral – incluindo o garimpo ilegal – e ao avanço do desmatamento. As consequências, diz, foram devastadoras tanto para a saúde das comunidades nativas quanto para o meio ambiente.

Em paralelo, o fotógrafo observa um fortalecimento do ativismo entre os indígenas ao longo dos anos. “As comunidades têm se mobilizado para defender seus direitos, não apenas em relação à terra, mas também no que diz respeito à preservação de sua cultura e identidades”, aponta, inteirando que esse movimento já encontra eco na sociedade, com um aumento da visibilidade da causa Yanomami nas esferas nacional e internacional. 

“A luta deles tem ganhado atenção, tanto na mídia quanto em fóruns de direitos humanos”, cita. E o trabalho de Stuckert pretende engrossar esse caldo. Ele garante que sua intenção, com os registros, publicações e exposição, é amplificar as vozes daqueles que são os responsáveis por manter as florestas brasileiras sãs. Naturalmente, o fotógrafo se junta ao coro para reivindicar a demarcação dos territórios indígenas e a proteção dessas comunidades contra invasores.

Entre a primeira e a última visita, aliás, o próprio fotógrafo já se reconhecia outro. “Trabalhar com o presidente Lula me fez justamente ver a importância de olharmos com mais sensibilidade para esses povos, me fez ver a importância de termos políticas públicas voltadas para essas comunidades”, assinala, inteirando que seu trabalho institucional, para a Presidência da República, se aproxima muito do trabalho feito com os indígenas. “Em ambos os contextos, a narrativa visual é fundamental”, avalia ele, que, quando conversou com a reportagem de O TEMPO, estava na China, acompanhando a comitiva brasileira, liderada por Lula, recebida por Xi Jinping.

Admiração

Descendente de suíços e ameríndios, ao se preparar para a exposição em BH, Stuckert pede licença a uma artista também de origem suíça, embora radicada no Brasil há décadas: “O trabalho de Claudia Andujar é uma inspiração e uma referência para muitos fotógrafos, incluindo eu”, reconhece, ao comentar sobre o pavilhão do Instituto Inhotim que, há dez anos, exibe o trabalho desenvolvido pela fotógrafa com os povos Yanomamis, sobretudo nos anos de 1970. Estão lá: o cotidiano, a convivência, os rituais e também a degradação de seu território com a chegada de invasores não indígenas.

A galeria, aliás, foi reinaugurada no fim do mês passado, quando passou a agregar ao seu nome o termo Maxita Yano – “casa de terra” na língua Yanomami –, recebendo os trabalhos de 22 artistas indígenas da América do Sul, que seguem em exposição por tempo indeterminado no local.

SERVIÇO:
O quê. Exposição ‘Povos Originários – Guerreiros do Tempo’, de Ricardo Stuckert
Quando. Abertura nesta quinta-feira (15), às 19h. Até 31 de maio. Visitação de terça a sexta, das 16h às 21h; sábado, das 11h às 17h
Onde. ONG Contato (rua Pouso Alto, 175, Serra)
Quanto. Entrada gratuita