A novidade não parece nada agradável. Com versos pra lá de pessimistas, Arnaldo Antunes dá o pontapé em “Novo Mundo”, seu mais recente álbum, cuja turnê chega nesta sexta (18) a BH. “É uma música distópica, mas é um retrato do que a gente está vivendo, nessa realidade em que os algoritmos estão o tempo todo impulsionando a violência e a intolerância. Estamos assistindo ao crescimento da extrema-direita em várias partes do mundo, com uma crise ambiental chegando ao ponto de não retorno e uma economia global cada vez mais predatória que apenas aprofunda as desigualdades”, enumera Arnaldo, que, ao longo da canção, constata: “A nau da insensatez sem freio avança”. Já no refrão ele se vale da ironia para tecer uma crítica aguda à contemporaneidade: “Bem-vindo ao novo mundo/ Que vai se desintegrar no próximo segundo”. Apesar disso, ele mantém sua crença na permanência de uma obra. 

“São tempos de velocidade muito grande, pela própria imposição da linguagem digital e o convívio com as telas, em que você muda de assunto o tempo todo e não fixa nada, mas eu acho que chamar atenção para isso é também uma maneira de alertar as pessoas para a necessidade de um contraponto a essa velocidade, se demorando um pouco mais seja numa relação amorosa, lendo um livro, contemplando uma paisagem, meditando. A humanidade é muito mais do que essa coisa volátil a que os tempos atuais nos levam. Eu sigo acreditando no valor daquilo que o tempo vai decantando e que cria o que chamamos de cultura de uma civilização”, reflete Arnaldo. Para ele, o primeiro passo para reativar a esperança é “tomar consciência do que está nos acontecendo”. Essa foi sua intenção ao realizar “um mosaico de ocorrências nefastas” na faixa inicial. O tema retorna à baila no encerramento, com “Tanta Pressa Pra Quê?”.

Faces

Embora possa soar reativo, o comportamento de Arnaldo está longe da mera negação. Ele próprio aponta que o corpo do disco sugere respostas e modos de ser e estar nesse cenário. “O Amor é a Droga Mais Forte” enaltece o poder do sentimento, enquanto “É Primeiro de Janeiro” assume o otimismo sem reservas que marca o início de ciclos. A romântica “Acordarei” e a erótica “Pra Brincar” falam por si só, sendo pura pulsão de vida. Assim como a anti-fatalista “... Tire o Seu Passado da Frente”, afinal de contas “tudo pode ser diferente”, dando uma cara francamente positiva à mudança. Com a participação de Ana Frango Elétrico, “Pra Não Falar Mal” hasteia o seu libelo contra a reciprocidade, quase ao modo cristão de “dar a outra face”. O encontro com nomes da nova geração, como o rapper baiano Vandal, invade a própria sonoridade do trabalho, que reaproxima o anfitrião da estética rock, com distorções e estranhamentos.

“Tem um lado mais contundente e crítico, e outro mais solar e amoroso, que acho que é o que precisamos cultivar para responder a esse tempo hostil, em que vivemos mais na tela do que ao vivo. É uma coisa assustadora, mas, por outro lado, mantenho uma expectativa positiva de poder lidar com isso de uma maneira mais saudável para nossa emoção, atenção e consciência”, salienta Arnaldo. Assim como o cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder (1945-1982) propôs com o filme “O Amor É Mais Frio que a Morte”, de 1969, o músico relaciona as duas instâncias, que, segundo ele, “têm a coisa da entrega, de você ser tomado por algo que te transforme”. Por isso ele canta, entre sussurros e berros, “o amor é a droga mais forte/(...) mais que isso só mesmo a morte”.

Língua

Foram meses de trocas de e-mail com David Byrne, célebre fundador dos Talking Heads, que resultaram em duas parcerias bilíngues: “Body Corpo” (um dos destaques do álbum) e “Não Dá Para Ficar Parado Aí na Porta”, ambas com a participação do escocês nos vocais. Na primeira, a divisão dobrada do parceiro no refrão recebe o contraponto seco e grave do canto de Arnaldo, o que dá a perfeita dimensão da diferença entre a fluidez de “body” e o peso de “corpo”, a despeito de as palavras terem, cada uma em sua respectiva língua, o mesmo significado. “Foi quase que uma tradução simultânea”, diverte-se Arnaldo, que não esconde sua identificação tanto com a trajetória quanto com a constante renovação de Byrne no mercado musical. Outro ponto em comum é a capacidade de ser pop sem abrir mão do requinte.

“Qualquer artista que se preze tem que, de certa forma, trabalhar com esse paradoxo, de querer falar com o maior número possível de pessoas e se comunicar, mas, ao mesmo tempo, não estar apenas repetindo o que elas já têm como estabelecido, tanto emocionalmente quanto formalmente. Eu fico sempre querendo alterar um pouco a consciência e a sensibilidade das pessoas. Cativar mas também cutucar”, delineia Arnaldo, para quem tal desejo mantém-se inalterado desde a época em que integrava os Titãs. “O público também quer esse jogo, ele não quer só repetição, ao contrário do que fazem crer os meios de comunicação, ele também quer ser mexido”, garante. Como exemplo, Arnaldo cita o sucesso inesperado de “O Pulso”, a canção menos ortodoxa do disco lançado pelo grupo paulista em 1989. Conectando esses momentos distintos, o verbo toma sempre a frente da ribalta nas incursões criativas do compositor.

Poética

“Eu sou um artista da palavra, esse é o território em que tenho mais intimidade, vamos dizer assim. Foi a palavra que me levou para a música, as artes visuais, o vídeo, etc. Não tenho desejo de fazer música instrumental, quero criar canções. O que me interessa na música é essa ponte entre a divisão rítmica das sílabas e a entonação melódica com a forma e o sentido do discurso verbal. Tem esse eixo, como se a palavra fosse uma plataforma de onde me aventuro em direção a outras linguagens”, confirma. Para o público mineiro, ele promete tocar “Novo Mundo” quase na íntegra, incluindo “Sou Só”, na qual escreveu uma letra para a melodia de Marisa Monte cheia de metonímias sobre o Sol sem nunca mencionar o nome do astro.

“É essa ideia do Sol como um ser solitário e, ao mesmo tempo, uma potência que nos nutre”, resume. Rearranjadas para “se integrarem mais organicamente à sonoridade” do novo álbum, hits como “Já Sei Namorar”, “Comida”, “Fora de Si”, “A Casa É Sua”, “Socorro”, e lados B dessa trajetória, casos de “Se Assim Quiser”, “Sem Você” e “Debaixo D’Água”, complementam a celebração, tendo como norte o peso que Kiko Dinucci (guitarra), Curumin (bateria), Betão Aguiar (baixo) e Vitor Araújo (piano e sintetizador) conferiram ao “Novo Mundo” de Arnaldo Antunes. “Cada obra corresponde ao desejo de um momento e isso nunca é linear, tem sempre uma coisa meio errática no processo. Não penso muito em como aquilo será recebido pelo público porque não sou publicitário, político. As recorrências são um tanto imprevisíveis e é bom que seja assim. Essa é a graça da criação!”, conclui Arnaldo, ofertando-nos o manjar e o caroço.

Serviço

O quê. Turnê “Novo Mundo”, de Arnaldo Antunes

Quando. Nesta sexta (18), às 21h

Onde. Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420, Centro)

Quanto. Entre R$60 (meia) e R$180 (inteira) pelo www.sympla.com.br