Lançada no Globoplay no fim de junho para marcar os 80 anos de nascimento do compositor baiano, a série biográfica “Raul Seixas – Eu Sou” mergulha na trajetória de um dos artistas mais icônicos da música brasileira. Ao longo de oito episódios, a produção, dirigida por Paulo Morelli e Pedro Morelli, tem Ravel Andrade no papel de Raul e tenta reconstituir a vida e a obra do cantor. 

A proposta era ambiciosa: dar conta de um artista complexo, contraditório e provocador. O resultado, porém, escorrega em clichês, romantizações e escolhas estéticas que, em vez de aprofundar o personagem, o reduzem a . A série opta por caminhos fáceis e se distanciam de um sujeito sensível, perspicaz e que tinha o deboche e a ironia como traços de seu pensamento anárquico e incondicionalmente questionador.

A parceria de Raul com Paulo Coelho, embora de fato central na vida e obra do artista, recebe atenção desproporcional. A presença de Paulo domina praticamente metade da série e o resultado é cansativo. Cenas dramatizadas da dupla compondo sucessos como “Al Capone”, “Como Vovó Já Dizia (Óculos Escuros)” e “Gita” são caricatas demais.

A série poderia ter se debruçado mais sobre aspectos fundamentais da carreira de Raul, como o arrebatamento com o rock ‘n’ roll ainda na infância em Salvador, a criação do disco “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista”, lançado em 1971 ao lado dos parceiros Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada, e sua atuação como talentoso produtor musical da CBS e autor de canções que ganharam popularidade nas vozes de artistas como Jerry Adriani, Diana e Balthazar.

A importante parceria com Marcelo Nova também foi ignorada e só é mostrada de relance no último episódio. Foi com o conterrâneo que Raul gravou seu último disco, “Panela do Diabo” (1989), e fez seus últimos shows pelo país. O roteiro peca pela falta de ousadia para romper com a ideia cristalizada de Raul como “o profeta maluco beleza bêbado e incompreendido que vive a esperar o disco voador”.

Como outras produções sobre o baiano, “Raul Seixas – Eu Sou” tropeça nos estereótipos e força situações para idealizar uma narrativa que não condiz com a história de Raulzito. Em uma das cenas, Raul aparece conversando com Caetano Veloso em uma festa e o momento que soa artificial e deslocado.

Mais uma vez, optou-se por mitificar Raul, quando o que se esperava era uma abordagem mais crítica e reflexiva. Se a produção tivesse escolhido focar em um recorte temporal específico da carreira do compositor, talvez o resultado fosse mais consistente e profundo.

Há, porém, pontos positivos em “Raul Seixas – Eu Sou”, como a cuidadosa seleção da trilha sonora, que abarca a produção essencial de Raul, a falta de reservas e moralismos para retratar o alcoolismo e a postura inconsequente do cantor em relação às esposas e filhas, e a ótima atuação de Ravel Andrade. O ator usou suas habilidades como instrumentista para dar sua própria interpretação às canções, tocando e cantando com personalidade.

No fim das contas, é significativo que uma produção de grande porte como essa tenha chegado a uma plataforma de alcance como o Globoplay. Os 80 anos de Raul Seixas não poderiam mesmo passar em branco. Era necessário algum tipo de homenagem que, apesar dos deslizes, colocasse a voz de Raul ainda mais em evidência e estimulasse novos diálogos sobre sua obra.