Uma multidão em euforia cantando em coro todos aqueles sucessos foi menos comovente do que os momentos em que “aquela massa de gente ficou em silêncio para ouvir o som da orquestra”. Essa foi a sensação do maestro Rodrigo Toffolo, que, ao lado de Alceu Valença, celebrou os 25 anos da Orquestra Ouro Preto com uma já histórica apresentação gratuita na Praça da Liberdade no último domingo, assistida por cerca de 45 mil pessoas segundo estimativa da Polícia Militar.
“Foi uma noite épica! “Estávamos em um dos cartões postais mais importantes do Brasil, com um show gratuito e muitas famílias, idosos, crianças. Encaro tudo isso como uma apropriação de um lugar que é nosso. Espero que o que aconteceu na Praça da Liberdade seja um balizador de como é possível democratizar o acesso à cultura daqui pra frente”, deseja Toffolo.
A Praça da Liberdade foi o palco de Alceu Valença ao lado da Orquestra Ouro Preto, em um show que reuniu os principais sucessos do artista com novos arranjos sinfônicos. O show também faz parte das comemorações dos 25 anos da Orquestra Ouro Preto, que celebra a data com uma série… pic.twitter.com/F75B5nZ3Ii
— O Tempo (@otempo) July 28, 2025
Na manhã seguinte, o maestro recebeu uma ligação emocionada de Alceu Valença, e, na hora de comentar o engajamento do público, ele decide deixar de lado a modéstia. “Felizmente tem sido uma constante para nós que nossos concertos tenham um público grande, seja com ou sem convidados. Em Mariana, por exemplo, a Orquestra Ouro Preto se apresentou sozinha e a praça também ficou abarrotada. É um projeto que está chegando ao amadurecimento”, ressalta Toffolo, que tem planos de continuar levando o som orquestral da Ouro Preto para multidões em praças.
Política pública
Secretária de Cultura de Belo Horizonte, Eliane Parreiras enaltece “a vocação de Belo Horizonte para a ocupação dos espaços públicos e os eventos de rua”. “Há uma tradição enorme do teatro de rua, dos shows, com eventos de todos os portes. Sem dúvida nenhuma, experiências como essa que a gente teve com a Orquestra do Preto e o Alceu Valença só fazem fortalecer essa vocação da cidade e têm uma importância muito grande para aproximar cada vez mais as manifestações culturais e artísticas do público, com um trabalho de formação de público e, claro, promovendo essa experiência do encontro, do viver a cidade de uma outra maneira”, delineia Eliane.
A gestora lembra que, além dos festivais, existe um interesse da prefeitura em trabalhar com programas que visem a essa “experiência da ocupação artística na rua”. Ela cita o Centro de Referência das Culturas Urbanas, além de “manifestações espontâneas da própria sociedade civil”. No caso dos produtores de cultura, Eliane considera que estimular essa relação direta com o público, em locais abertos e com acesso gratuito, “é extraordinário porque possibilita um contato vivo, na rua, na hora”, além de ampliar o escopo de pessoas que passam a conhecer aquele artista.
“Esses eventos também dão oportunidades para o público de vivenciar produções artísticas que, muitas vezes, talvez não tivessem uma condição socioeconômica ou, às vezes, até a condição mesmo de acessar. Então, essa oportunidade de oferecer essas programações de maneira aberta, gratuita, na rua, nesses grandes encontros, com essa diversidade cultural, porque, muitas vezes, você tem programações que são de vários gêneros, isso só faz amadurecer essa relação e fortalecer os vínculos tanto com a cidade quanto com a produção artística”, pontua.
Dos parques às praças
Eliane enumera uma série de ações da prefeitura nesse sentido, que contemplam o Festival Internacional de Quadrinhos, o Festival Internacional de Teatro, o Festival Internacional de Literatura e o Festival Internacional de Arte Negra. “Em todos eles a gente procura trazer essa dimensão da ocupação urbana, do espaço público, da programação gratuita. Mas, além disso, a gente tem diversas programações como, por exemplo, o Descontorno Cultural, que são programações gratuitas nos centros culturais, em áreas adjacentes, ocupando também as dez regionais da cidade, de maneira também descentralizada, com os artistas locais. Isso é muito importante para que os artistas locais de cada regional também participem desse processo e usufruam dessa oportunidade”, observa.
Nesse sentido, o Circuito Municipal de Cultura também realiza uma série de atividades em espaços abertos, ocupando praças e parques. “Belo Horizonte é uma cidade que tem muitos parques, então esses espaços também são espaços não só de apreciação e vivência da natureza, mas também das atividades culturais. Então, assim, há uma gama de atividades, como exibição de cinema, que a gente tem nesses projetos”, destaca Eliane. Secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas de Oliveira reforça esse entendimento, apontando marcos como a Virada Cultural e o Carnaval na cidade.
“A ocupação cultural dos espaços públicos, como a Praça da Liberdade, é um gesto simbólico e concreto de democratização da arte. Eventos gratuitos como esse não apenas aproximam o público dos artistas, mas reafirmam o papel da cultura como direito e experiência coletiva. Em Belo Horizonte, essa transformação ganhou força com a Virada Cultural, que inauguramos em 2013, e com o Carnaval, alavancas de uma revolução urbana, afetiva e cultural. O Circuito Liberdade, hoje consolidado como o maior conjunto cultural da América Latina, ampliou ainda mais esse processo, fortalecendo a conexão entre cultura, cidade e cidadania. Tudo isso faz pulsar não só a vida cultural da capital, mas também o turismo, gerando pertencimento, economia e projeção nacional e internacional para Minas Gerais”, salienta Leônidas.
Eliane revela que em breve a programação da Virada será divulgada, contemplando “todas as linguagens artísticas, com participação de cultura periférica e de atrações nacionais que dialogam e vão estar junto com atrações locais”, arremata.
E, ainda que a gestora e o próprio maestro Rodrigo Toffolo despistem, segunda uma fonte do setor cultural ouvida em anonimato pela reportagem, uma destas atrações da Virada seria a apresentação da Orquestra Ouro Preto com Carlinhos Brown - espetáculo que já arrebatou um grande público na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.