O jornalista, escritor e cronista belo-horizontino Humberto Werneck deixou sua terra natal há mais de 50 anos para fixar residência em São Paulo, onde vive desde 1970. Naquele momento, ele estava desencantado com a capital mineira. “Saí brigado com a cidade, cujos horizontes, meio século atrás, por belos que fossem, me pareciam sufocantes”, conta.
De lá pra cá, no entanto, Werneck diz que BH “melhorou depois que eu fui embora” e que adora visitá-la. O fato é que ele nunca deixou de olhar para a cidade, tema de algumas de suas crônicas e ambiente central do livro “O Desatino da Rapaziada” (1992), que mergulha na tradição literária e jornalística de Minas Gerais a partir da contribuição de figuras cujas trajetórias marcaram as letras brasileiras.
Pois Humberto Werneck, nesta semana, volta à sua terra com “Viagem no País da Crônica” – seu mais recente livro – na bagagem. Nesta terça-feira (19/8), ele é o convidado do Letra em Cena, programa cultural do Minas Tênis Clube. Em um bate-papo sobre jornalismo e literatura – e reflexões sobre a crônica –, o autor estará acompanhado do curador do projeto, José Eduardo Gonçalves, e do ator Arildo de Barros, que fará a leitura de textos de Werneck (mais informações no fim da matéria). Já no sábado (23/8), o escritor participa de sessão de autógrafos na Livraria Quixote.
“Viagem no País da Crônica” (Editora Tinta-da-China Brasil) foi publicado em junho e celebra os 80 anos do autor, completados em fevereiro. O livro reúne 80 textos escritos por Werneck para o Portal da Crônica, site do qual foi editor entre 2018, ano de inauguração desse espaço virtual que compila cerca de 3.600 crônicas de grandes nomes do gênero, e 2021.
Em pouco mais de 300 páginas, o jornalista examina crônicas assinadas por Clarice Lispector, Fernando Sabino, Rachel de Queiroz, Otto Lara Resende e Rubem Braga – só para citar alguns dos protagonistas da chamada era de ouro da crônica brasileira. O livro é, no fim das contas, uma homenagem e uma declaração de amor a esse gênero fundamental na formação de Humberto Werneck.
Redator do “Suplemento Literário de Minas Gerais” entre maio de 1968 e maio de 1970, Werneck atuou como repórter e editor em revistas e jornais, incluindo “Jornal do Brasil”, “Veja”, “IstoÉ” e Playboy”, assinou crônicas em “O Estado de S. Paulo” por uma década, de 2010 a 2020 e, desde 2017, é editor sênior da revista de livros “Quatro Cinco Um”. A verve cronista de Werneck está em livros como “O espalhador de passarinhos” (2021), “Esse inferno vai acabar” (2011) e “Sonhos rebobinados” (2014).
Desde 2016, ele trabalha na biografia de Carlos Drummond de Andrade. Humberto Werneck chega a BH feliz por estar acompanhado de crônicas e memórias que misturam jornalismo e literatura, dupla inseparável na trajetória desse contador de histórias que voltará a São Paulo com BH em seu coração.
Você é um apaixonado pela crônica. Qual é a sua relação – como leitor e como escritor – com esse gênero e o que mais te encanta nele?
Tive a sorte de crescer e me formar no tempo em que a crônica brasileira vivia a sua melhor fase, tão rica que ficou conhecida como a Era de Ouro da Crônica. Havia um vasto time de escritoras e escritores graúdos escrevendo nos jornais e nas revistas. Só a revista semanal “Manchete” tinha quatro, entre eles o maior de todos, Rubem Braga. Eu e tanta gente mais, não apenas da nova geração, caímos de amor por esse gênero cujas marcas incluem a leveza, o humor e esse atributo indefinível que se chama graça.
Qual é o estado de saúde da crônica nos dias de hoje?
A crônica está vivendo um momento aflitivo, para dizer o mínimo. Ela não é jornalismo, mas nasceu em órgãos de imprensa e deles dependeu desde sempre para existir. Em tempos recentes, como sabemos, a chegada dos meios digitais empurrou os jornais e as revistas para uma crise aguda – e quando isso aconteceu a crônica foi sendo despejada dos veículos impressos, que quando muito preservaram colunistas especializados. A crônica virou um sem-página. Em alguns casos, buscou refúgio na internet, e ainda não se impôs ali. Mas acredito que, assim como o jornalismo, a crônica não vai morrer, pois seguiremos precisando dela.
Clarice Lispector, Paulo Mendes Campo, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Rubem Braga, Rachel de Queiroz… No livro, você faz diversas referências a mestres da crônica. Em que medida a obra também é uma celebração, uma homenagem a esses nomes e à própria crônica?
Meu livro busca ser exatamente isso que você enumerou. Quem gosta muito de alguma coisa não se contenta em desfrutá-la – quer que mais gente possa fazer o mesmo. Foi o que busquei com ‘Viagem no País da Crônica’.
De alguma forma a crônica ajudou a contar a história do Brasil?
Não me parece que ela tenha se proposto contar a história do Brasil, nem seria esse um objetivo seu. Mesmo sem a pretensão, porém, ela acaba dando conta, não digo da História, mas do Brasil e dos brasileiros, na medida em que tem faro bom para personagens, coisas e um espírito muito nosso.
Você vive em São Paulo desde 1970. Voltar a Belo Horizonte te causa qual sensação?
Saí de Belo Horizonte brigado com a cidade, cujos horizontes, meio século atrás, por belos que fossem, me pareciam sufocantes. Não, não vou repetir mais uma vez que Belo Horizonte melhorou depois que fui embora... Mas é verdade. Adoro revisitá-la – ou melhor, revisitá-las, pois hoje para mim existem duas: aquela onde nasci e me criei, indelével no coração, e outra que desde então se acrescentou a ela, cheia de encantos e novidades.
Sobre a biografia do Drummond, como estão os trabalhos? O que mais tem te surpreendido nesse mergulho na vida do poeta?
Os trabalhos, ufa, avançam em bom ritmo, e esse avançar é cravejado de surpresas boas. Para quem lê Drummond desde a adolescência, e que esteve com ele em algumas vezes, na condição de repórter, a investigação para escrever sua biografia tem permitido descobrir, para além da imagem pública, uma pessoa e uma vida tão fascinantes quanto surpreendentes. Exemplos? Peço um pouco mais de paciência...
Programe-se
Letra em Cena com Humberto Werneck
Quando. Nesta terça-feira (19/8), às 19h
Onde. Biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas (rua da Bahia, 2.244 – Lourdes)
Ingressos. A entrada é gratuita, mas os ingressos estão esgotados
Sessão de autógrafos de “Viagem no País da Crônica”
Quando. Neste sábado (23/8), às 11h
Onde. Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274 – Savassi
Ingressos. Entrada gratuita