Quando resolveu se debruçar sobre a vida de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) para a construção de uma biografia, a ser lançada pela Companhia das Letras, o escritor Humberto Werneck, 76, achou por bem dar uma pausa na escrita da crônica, exercício que praticava semanalmente, no jornal “O Estado de S. Paulo”. Mais recentemente, porém, veio a vontade de fazer um balanço de sua produção nessa seara, e, naturalmente, ele voltou a “O Espalhador de Passarinhos”, livro que organizou no final de 2009 e que, como registra o jornalista mineiro, teve uma boa acolhida de leitores e críticos.  

No entanto, ao reler com olhar crítico a obra, Werneck percebeu que, na época, havia selecionado algumas crônicas que, enfatiza, até funcionaram no jornal, mas cujo interesse, com o tempo, na sua percepção, tinha diminuído – “ou mesmo desaparecido”. “Além disso, percebi que muitas poderiam ter seu texto retocado ou mesmo reescrito. Ou seja, me dei conta de que valia a pena ‘despiorar’ – para usar esse delicioso neologismo que aprendi com o grande Otto Lara Resende – meu livro. Sempre se pode esticar um pouco mais a corda, não é?”, brinca. 

Não por outro motivo, é com gosto de um lançamento que “O Espalhador de Passarinhos” volta agora às prateleiras das livrarias, com a chancela da editora Arquipélago. E é justamente sobre todo o processo que desencadeou a nova obra que ele conversa nesta quarta-feira, a partir das 19h, com o jornalista e escritor Afonso Borges, em mais uma edição do Sempre um Papo, que poderá ser acompanhada pelas redes sociais do projeto.   

Ao Magazine, Werneck retornou ao início de sua trajetória para lembrar que começou a se exercitar no gênero crônica semanalmente, no jornal diário “Publimetro”, no qual, pontua, o espaço era curto. “Alguma coisa como uma lauda e meia – o que às vezes me obrigava a dividir o assunto em mais de uma”. Aliás, algumas delas foram parar na primeira edição do livro – “assim, miudinhas”. Mas, ao revisitá-las, dez anos depois, o autor percebeu que algumas ficariam melhores se virassem um texto só, no que ele denomina “um casamento natural”. “E promovi um punhado de fusões. É o caso, por exemplo, da atual ‘Aquela minha boa vida de Playboy’, que reúne historinhas do tempo em que chefiei a redação da finada revista de mulher pelada. E também de ‘Separações & recaídas’, ‘A cidade (quase) sem pecado’, ‘Pecados de cama & mesa’, ‘Bons chances de ficar calado’ e algumas outras”, especifica.  

No feixe dos textos limados, está, por exemplo, a crônica “Namoro virtual, por ora virtuoso”, sobre o que, na época, era algo como uma novidade, fumegante como um café recém-passado. “(Falava de) gente procurando gente em grupos na internet para namoro ou mais, todo mundo escondido por detrás de codinomes do tipo ‘Moreno 36a SP’”, esmiúça. Mas, sim, antenado que é, Werneck sabe bem que, de lá pra cá, “a caça amorosa e/ou sexual via internet” ficou mais direta e desinibida. “E isso cobriu de teias de aranha aquela crônica”.  

Já na esfera do afeto, a crônica que mais o afeta é a que batiza o livro. Como ele mesmo lembra, o tal “espalhador de passarinhos” em questão é seu pai, Hugo Werneck. “Um pioneiro do ambientalismo em Minas Gerais, durante décadas empenhado em pegar aves num lugar para soltá-las onde não existissem mais”. Mas Humberto Werneck também não deixa de citar “Meu traumatismo Ucraniano”, sobre “o desastre que provocou numa das primeiras entrevistas” de sua vida de repórter, “com ninguém menos que Clarice Lispector”. Nela, temos Werneck recém-chegado à redação do “Suplemento Literário de Minas Gerais”, com seus tenros 23 anos de vida. A entrevista se deu em agosto de 1968, quando a celebrada escritora estava de passagem pela capital mineira – não vamos aqui estragar o prazer da leitura, mas o encontro teve um início que não era exatamente o que o entrevistador esperava, bem como o empréstimo de uma caneta cuja tinta se espraiou, mais tarde, até num bilhete endereçado por ela a Chico Buarque. 

Representante de uma era de ouro 

Ultrapassando o âmbito da obra em si para abarcar o gênero que pauta a produção nela reunida, Werneck conta que sua geração se criou na chamada “era de ouro da crônica”. “Na (extinta) revista ‘Manchete’, você encontrava, toda semana, cronistas como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino”. Instigado a falar sobre o que ele próprio afirma ser “um gênero tão difícil de definir” como “uma conversa boa”, o escritor afirma: “Nela, o autor, longe de querer pontificar, parece estar sentado a meu lado num meio-fio, falando exclusivamente para mim. É um tipo inconfundível de colunista”.  

Humberto Werneck salienta que, nos dias atuais, jornais e revistas estão cheios de colunistas das mais diversas especialidades. Por outro lado, entende que, por melhores e mais úteis que sejam, a maioria lhe passa a impressão de estar falando com seu leitor não no citado meio-fio, mas sim, “do alto de um caixotinho”, tal qual um pregador de alguma ideia ou causa. “Pode ser bom, mas é professoral. Crônica, insisto, é diferente, não é jornalismo. O jornalista tem a obrigação de buscar a objetividade e a impessoalidade, mas o cronista genuíno vai no sentido contrário, buscando ser o mais subjetivo e pessoal que possa”. Ofício que ele reconhece ser, sim, penoso, mas, ao mesmo tempo, extremamente fascinante. “Como disse, estou licenciado no ‘Estadão’ desde dezembro, mas não vejo a hora de voltar à escreveção de crônica, ou seja, semanal...”. Certamente, seus leitores vão se nutrir de uma fonte de águas renovadas quando isso acontecer. 

Tempos de pandemia

Sobre a pandemia, Humberto Werneck conta que a quarentena o obrigou, como a tanta gente, a conviver exclusivamente... consigo mesmo. "Longe os filhos, dos netos, das muitíssimas amizades que venho arrebanhando pela vida. É isso que mais me faz falta, o contato direto e frequente com os outros. Para não falar numas indispensáveis chatices do cotidiano. Quem estava habituado à peleja de limpar o texto teve que se habituar também ao aspirador de pó...". Mas ele diz que, mesmo em meio a tantos contratempos, não reclama. "O que me pesa de verdade, mais que o isolamento compulsório, é ver o meu país nas mãos de uma figura tosca e daninha como Jair Bolsonaro, em sua empreitada de destruição. Na contramão da falta de civilidade deste promotor da treva, me aquece o coração o espetáculo da solidariedade de tantos para minorar o sofrimentos dos mais atingidos pela crise".

 

Serviço 

“O Espalhador de Passarinhos” (2ª ed.) | Humberto Werneck 

Arquipélago Editorial, 176 páginas 

Preço: R$ 45  

Onde comprar: Nas livrarias e no site da editora. 

Live de lançamento: Sempre um Papo, com Afonso Borges, convida Humberto Werneck 

Quando: 1º de julho, quinta-feira, às 19h 

Onde assistir: Facebook, Instagram e YouTube do @sempreumpapo