Há quase 20 anos trabalhando na elaboração, desenvolvimento e gestão de projetos culturais, Tamira Abreu nunca deixou de se inquietar com o que ela diz ser uma particularidade do setor audiovisual. “Sempre percebi que as pessoas que trabalham nessa área são brancas e vêm com uma estrutura de classe média, classe média alta”, comenta a produtora.

Para tentar modificar um pouco esse cenário e criar oportunidades em espaços tradicionalmente desfavorecidos, Tamira criou o projeto Cinema da Favela. A partir desta terça-feira (5/8), 20 jovens entre 14 e 16 anos da Pedreira Prado Lopes, primeira favela de Belo Horizonte, farão um mergulho no universo do cinema. Da teoria à prática, eles vão passar, ao longo dos próximos meses, por todas as etapas da produção de um curta-metragem autoral, que será exibido no dia 12 de dezembro.

As atividades, estruturadas em núcleos temáticos, cada um dedicado a uma área do cinema – roteiro, direção, fotografia, câmera, som, arte, figurino e maquiagem, produção audiovisual, edição e finalização –, serão conduzidas por profissionais que atuam no mercado, como Felipe Canêdo, André Amparo, Mariana Rocha, Gabriela Dominguez, Silvia Dias e Natacha Vassou.

Em dezembro, o curta produzido pelos jovens será exibido na Mostra Cinema da Favela, que será realizada na Escola Municipal Belo Horizonte, no bairro São Cristóvão – os participantes do projeto estudam na instituição e foram selecionados por ela.

A programação da mostra também trará obras de jovens cineastas e coletivos das periferias, acompanhadas de sessões comentadas e rodas de conversa com os participantes e convidados do setor audiovisual.

Tamira Abreu busca inspiração em trajetórias que colocaram o cinema periférico mineira em evidência, como a Filmes de Plástico, produtora nascida em Contagem e hoje sediada em BH, responsável por filmes como “Temporada”, “Ela Volta na Quinta” e  “Marte Um”, escolhido para representar o Brasil na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2023.

“O audiovisual é uma área cara, acaba que fica uma coisa mais elitizada, mas temos o exemplo da Filmes de Plástico, que tem esse protagonismo negro periférico. Queremos mostrar para esses jovens que é possível fazer cinema. Eles precisam de oportunidade”, ressalta Tamira.

Os 20 alunos vão se dividir e assumir as funções principais da equipe de um curta-metragem. O processo inclui definição e visita às locações, seleção de elenco, planejamento do cronograma e elaboração do plano de filmagem, além da preparação de materiais, figurinos, objetos de cena e ensaios com os atores. Segundo a idealizadora do Cinema da Favela, as histórias desses e de outros jovens periféricos merecem ser contadas, vistas e ouvidas.

“Mais do que ensinar a fazer cinema, o projeto busca provocar o olhar, ampliar horizontes e fortalecer a presença das juventudes periféricas nos processos criativos e nas produções audiovisuais. Acreditamos que a arte é um caminho para a autonomia, o pertencimento e a transformação das realidades vividas”, diz Tamira Abreu.

O Cinema da Favela é realizado pela produtora Nós da Fita com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. Ao fim do projeto, em dezembro, Tamira Abreu vai ministrar uma oficina voltada para a elaboração de projetos culturais com foco no setor audiovisual.

Os alunos aprenderão a formatar projetos para inscrição em editais, desenvolver estratégias de captação de recursos e parcerias para viabilizar suas iniciativas. Esta é a primeira edição do Cinema da Favela. Após passar pela Pedreira Prado Lopes, o projeto pretende abraçar outros espaços de BH.