Um dos marcos do verismo, vertente do realismo italiano que abandona os épicos palacianos para mergulhar no drama cotidiano, “Cavalleria Rusticana”, de Pietro Mascagni, retorna ao Palácio das Artes a partir desta quarta-feira (6/8), encerrando a temporada operística da Fundação Clóvis Salgado (FCS). Composta em 1890 e inspirada em um conto de Giovanni Verga, a obra ganha nova montagem que alia fidelidade à partitura original e passagens investidas de simbolismo na encenação.

Sob a concepção e direção cênica de Menelick de Carvalho, o espetáculo, que segue em cartaz até domingo (10/8), reúne a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e o Coral Lírico de Minas Gerais, além de solistas como Eiko Senda, Sylvia Klein, Bárbara Brasil, Matheus Pompeu e Stephen Bronk. A direção musical é da maestra Ligia Amadio, com direção-geral de Cláudia Malta.

Carvalho explica que a obra traz elementos centrais do verismo, como o realismo – “em vez de monarcas e nobres, temos gente do povo, histórias que poderiam ser reais” – e o determinismo – “há a crença de que o meio, a época e o sangue, ou seja, a origem social, vão determinar o destino dos personagens”.

A trama se passa em Vizzini, pequeno vilarejo siciliano no final do século XIX, durante a manhã de Páscoa. No centro da narrativa, está um quadrilátero amoroso conduzido por traições, ressentimentos e códigos de honra que culminam em tragédia.

Turiddu, jovem soldado recém-chegado de uma campanha militar, retoma sua antiga paixão por Lola, agora casada com Alfio. Com isso, trai Santuzza, sua nova companheira, que,  inconsolável e tomada de ciúmes, revela a Alfio o caso de infidelidade. Ao fim, Turiddu é morto e Lola também encontrada sem vida, em um jardim próximo ao local do confronto.

A montagem que estreia em BH, como assinala o diretor, segue à risca a versão original de Mascagni, sendo apresentada em sua íntegra, sem cortes na partitura nem nas repetições previstas pelo compositor. Com legendas simultâneas em português projetadas sobre o palco, o libreto é cantado no idioma original, o italiano, com exceção da abertura, em siciliano, idioma falado na região da Sicília e frequentemente confundido com um simples dialeto.

Mas, embora a música mantenha-se fiel ao original, a encenação propõe uma leitura que alterna o realismo histórico com momentos de linguagem mais simbólica. “Houve uma pesquisa de época para o figurino e o cenário, tentando recriar essa praça siciliana de 1880, com suas roupas, arquitetura, cores. É um tratamento realista. Mas, em alguns momentos, interrompo esse cotidiano para trabalhar as aspirações, os medos, os sonhos dos personagens com uma abordagem mais simbólica”, antecipa o diretor, acrescentando que, com cerca de 1h20 de duração, a ópera é considerada compacta para os padrões do gênero, o que imprime um ritmo intenso à narrativa.

Reencontro

A nova montagem de “Cavalleria Rusticana” marca também o reencontro do carioca Menelick de Carvalho com o Palácio das Artes, onde iniciou sua trajetória ainda jovem, no começo da década de 2010. “Já vim diversas vezes como assistente de direção, participei de umas cinco ou seis produções. Em 2015, dirigi aqui um concerto cênico da (ópera) ‘Carmen’. E no ano passado, estive na assistência de ‘Nabucco’”, recorda.

“Acredito que esse convite seja reflexo da minha trajetória e do momento que estou vivendo”, comenta ele, referindo-se ao reconhecimento conquistado com produções recentes. Em 2023, dirigiu “Pagliacci” no Theatro Municipal do Rio de Janeiro – mesma casa onde encenou “O Elixir do Amor” no ano seguinte. Também foi responsável por “Clitemnestra”, premiada como Melhor Ópera do Ano em Vitória, no Espírito Santo.

Mas, muito além de aspectos profissionais, o retorno a BH se reveste, para o diretor, de um tom pessoal e afetivo. “Meu pai é daqui. Minha avó morou aqui a vida toda. Tenho cinco tios e dezesseis primos em BH. É minha segunda casa”, ressalta.

Esse sentimento de pertencimento se intensifica diante da tradição operística mineira, com a qual se identifica. “Além da Orquestra Sinfônica e do Coral Lírico, diversos solistas envolvidos são mineiros ou residentes em Belo Horizonte. É o caso do tenor Matheus Pompeu e da soprano Sylvia Klein. Stephen Bronk, embora americano, vive na capital mineira. A mezzosoprano Bárbara Brasil, que interpreta Mamma Lucia, também é mineira. A cenografia é assinada por William Hauch e os figurinos por Marcela Mor, ambos artistas locais”, destaca.

“Trabalhar aqui é como estar em casa. A equipe atua com o mesmo grau de excelência encontrado nos grandes centros culturais do país”, elogia, ressaltando que foi graças a essa estrutura sólida que a ópera pôde ser montada em apenas duas semanas e meia de ensaios. “Foi uma correria! Mas ajudou muito contar com um elenco experiente e comprometido. A Eiko Senda, nossa Santuzza, interpreta esse papel pela sexta vez na carreira”, aponta, inteirando que, para ele, este é um dos muitos elementos que conferem maturidade ao trabalho.

SERVIÇO:
O quê. ‘Cavalleria Rusticana’ encerra a temporada de óperas da Fundação Clóvis Salgado
Quando. Nesta quarta (6) e sexta (8), às 20h; sábado (9), às 19h; e domingo (10), às 18h
Onde. Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, centro)
Quanto. A partir de R$ 30 (meia). Ingressos disponíveis na bilheteria do Palácio das Artes e na plataforma Eventim