Uma das vozes mais doces, melódicas e inventivas do jazz contemporâneo, a contrabaixista, cantora e compositora Esperanza Spalding – não é de hoje – tem uma ligação umbilical com o Brasil e a música brasileira. Desde seus primeiros passos fonográficos, há quase 20 anos, as partituras, cadências e sonoridades tupiniquins foram (e ainda seguem como) fontes abundantes para a artista norte-americana, que está de volta ao país para três apresentações. A jornada começa neste domingo (14), em Belo Horizonte, quando Esperanza sobe ao palco do Grande Teatro do Palácio das Artes – a turnê ainda passa por Rio de Janeiro (18/9), São Paulo (20/9) e Brasília (21/9).

E, para essas apresentações, Esperanza promete uma viagem por sua trajetória musical, que já soma quase duas décadas e cinco prêmios Grammy. “Vamos tocar músicas de todos os últimos oito ou nove álbuns e, claro, também vamos trazer canções do disco ‘Milton + Esperanza’”, adianta a artista, em referência ao álbum lançado no ano passado ao lado de Milton Nascimento – um parceiro e ídolo para ela.

O trabalho, indicado ao Grammy deste ano, reúne gravações feitas entre Brasil e Estados Unidos e inclui cinco composições do artista brasileiro.

Embora Milton tenha encerrado a carreira nos palcos, sua presença continua viva na obra de Spalding. “Nunca planejamos uma turnê. Queríamos apenas criar o disco e lançá-lo. Mas eu amo tanto as músicas que, de alguma forma, encontramos uma maneira de tocá-las, mesmo que Milton não vá cantar conosco”, conta. Para isso, ela se apoia no quarteto que formou especialmente para esse projeto. “Somos três músicos e eu, e com essas quatro pessoas conseguimos criar muitas cores, muitas texturas, muitos mundos. É realmente uma banda linda”, destaca ela, “animada para compartilhar” com o público a sonoridade da atual turnê – que já passou por Europa, Estados Unidos e, após os shows no Brasil, segue para a África do Sul antes de retornar ao seu país natal.

A relação com Milton Nascimento, que começou ainda em 2010, marcou a artista tanto pessoal quanto artisticamente. “Uma coisa que se confirmou trabalhando com ele é que simplesmente melhoramos com a idade. Isso me dá entusiasmo e esperança no processo de envelhecer. Ele é um músico quase surrealista, muito livre. Um artista extremamente comprometido em buscar a verdade da visão, a verdade do sentimento. Estar ao lado dele foi um remédio poderoso e curativo”, reflete Esperanza, que vê em Milton um refinamento e aprofundamento de todas as suas qualidades com o passar dos anos.

“Claro, ele soa diferente agora, talvez a fraseologia ou o alcance vocal não sejam os mesmos, mas até isso nos convida a deixar de lado algumas ideias sobre o que é importante na música, percebendo que é realmente o espírito da pessoa, a verdade de sua vida. E nada disso se perde; na verdade, se intensifica com a experiência de vida. Então, sinto-me muito grata a ele por sua dedicação a todas essas coisas; não diminuiu com o tempo, apenas se aprofundou”.

Sem etiquetas

Ao olhar para a própria trajetória – que em 2026 completará 20 anos desde o lançamento de “Junjo” –, Esperanza evita rótulos. Para ela, a música é reflexo de um caminho em constante movimento. “É como se estivéssemos explorando esta floresta infinita da música. O som muda porque nós mudamos, assim como nossas casas, amigos, leituras, filhos e experiências de vida. Sinto que meu trabalho é uma representação de onde estou”, conta a artista, consciente de que sua identidade musical está em constante transformação.

Com tantas influências – do jazz norte-americano às tradições africanas e à música brasileira –, Esperanza vê sua criação como um processo de escuta e construção. “Não se trata de integrar tudo em uma coisa só. É como estudar linguagem, construção de frases, para, quando tiver algo a dizer, conseguir estruturar e comunicar de forma coerente e envolvente. É assim que construo a música: tenho a ideia central e a desenvolvo como se fosse o DNA que gera todo o corpo da obra”.

O próximo destino após o Brasil será Johanesburgo, na África do Sul, onde Esperanza vai se apresentar com músicos locais. A escolha não é casual: “O jazz é música africana. O samba é música africana. Essa estética e essa espiritualidade se perpetuam. A música que faço é africana, entre muitas outras coisas, mas isso é um ponto de partida. Nessa turnê em Johanesburgo, vamos trabalhar com um saxofonista local. Isso me permite mergulhar na expressão atual do jazz ligada à tradição ancestral dessa região, e estou muito animada com isso”, exalta ela.

Ao ser questionada sobre o que significa voltar ao Brasil, principal palco de suas trocas com Milton Nascimento, a artista resume em um gesto poético: “É um encontro de espíritos amorosos através do tempo. Vejo o amor pelo espírito criativo, a coragem, a experimentação, o radicalismo. Chegar a um lugar com essa história é um encontro de espíritos – a terra, a cultura, a história, tudo ainda vivo ali”.

Serviço

O quê. Show de Esperanza Spalding

Quando. Neste domingo (14/9), às 19h

Onde. Grande Teatro do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.534, Centro)

Quanto. Ingressos a partir de R$ 220, à venda na plataforma Eventim e na bilheteria da casa