Talento

Atriz mineira Rejane Faria é destaque em 2ª temporada de 'Segunda Chamada'

Integrante do grupo QuatroLosCinco e conhecida por atuações em produções da Filmes de Plástico celebra personagem na série que chega hoje ao Globoplay

Por Patrícia Cassese
Publicado em 10 de setembro de 2021 | 03:00
 
 
 
normal

Quando foi levada ao ar em 2019, pelo Globoplay (numa parceria com a O2 Filmes), a primeira temporada da série brasileira “Segunda Chamada” cooptou de pronto um séquito de espectadores ao colocar em relevo a importância do conhecimento e, por conseguinte, da educação na vida de qualquer cidadão, mesmo que essa régua e compasso venham um pouco mais tarde do que o tradicionalmente esperado. Um primor, imperdível.

Mas se o conteúdo já era um chamariz e tanto, a atração adquiriu contornos mais potentes ao mostrar atuações irretocáveis (com Débora Bloch à frente do elenco), a diversidade marcando a composição deste, uma linha de personagens críveis, trilha sonora de primeira e muito, muito mais. A boa-nova é que a segunda temporada aterrissa nesta sexta (10), no citado serviço de streaming, trazendo a seguinte premissa: às vésperas do início de mais um ano letivo no curso noturno de jovens e adultos da Escola Estadual Carolina Maria de Jesus, o corpo docente percebe que as matrículas até ali feitas não são suficientes para manter os portões da instituição abertos.  

Mais do que seus próprios problemas particulares, nesses seis novos capítulos, alunos, professores e funcionários vão ter que aprender também a exercitar a tolerância, lidando com nove personagens ditos "sem residência fixa". Para o público mineiro, a boa surpresa é a presença iluminada da atriz Rejane Faria, de talento reverendado tanto nos palcos (é uma das integrantes do grupo QuatroLosCinco) quanto no cinema (em produções assinadas pela produtora Filmes de Plástico, por exemplo) e, claro, na TV.

Aos 59 anos, ela, que é atriz desde os 32, agora dá vida a Néia, uma mulher em situação de rua que sobrevive graças à venda de livros usados, os quais, aliás, ela própria não consegue ler, alegando vista cansada. Na verdade, é analfabeta. “Néia faz parte de um grupo de alunos em situação de rua, situação que é a temática desse segundo momento da série. É uma mulher que trabalha, que se esforça muito dentro de sua comunidade, que se localiza sob um viaduto. Um grupo de pessoas que sempre estão se ajudando mutuamente”, descreve a simpática atriz, em entrevista ao Magazine.  

Rejane conta que, para compor a personagem, se valeu de uma prática à qual tem sempre se aferrado em sua carreira: a observação. “Visitei alguns lugares, onde havia pessoas aglomeradas, conversei com algumas pessoas em situação de rua. E é aí que a gente percebe que já exerceram atividades comuns, por vezes têm famílias, mas, por uma série de questões, lidaram com dificuldades e hoje se encontram nesse lugar. Foi muito importante para mim conversar e eliminar os estigmas que a gente normalmente constrói em relação a elas, de que são pessoas que não se esforçam, não buscam um ideal de vida, não agem. Não é verdade. Vi, ali, muitos desejos, sonhos e vi pessoas que que fazem muita força para fazê-los acontecer”, repara a atriz, contente de encarar esse novo desafio. 

“O meu ofício de atriz está diretamente atrelado à minha cidadania, à minha forma de pensar, à minha forma de atuar dentro do contexto em que vivo e ampliando isso para lugares onde não estou, mas nos quais a minha voz e imagem podem chegar. Então, essas temáticas são o que me movem", pontua Rejane. A intérprete frisa que, mais importante que o status do teatro no qual vai atuar ou do canal em que vai passar a produção cujo elenco ela compõe, o que a estimula de fato é o texto que chega às suas mãos e a força da personagem que a ela está sendo proposta. “Se percebo que o papel vai de alguma maneira provocar uma reflexão e ação nas pessoas, sim, vou fazer. E vou me entregar totalmente, porque, além de esse ser o meu papel na sociedade, acaba sendo importante também para mim como pessoa, para o meu autoconhecimento". 

 Não por outro motivo, o deleite ao integrar essa empreitada. “A série é muito forte. Cada personagem tem a sua história, e cada história revela uma quantidade de conflitos internos e externos. Na primeira leitura a gente (os atores) se emocionou muito. Ali, já fizemos um pacto de convivência. É importante dizer que a série não é só tristeza, tem muitos momentos interessantes, gostosos, nos quais a gente se diverte. Mas tem esse ponto forte que é mostrar a história dessas pessoas. Então, desde o início, nós nos juntamos muito, nos compactuamos nesse processo, que foi muito bonito”.  

Ela também não poupa elogios à diretora artística Joana Jabace. “Ela é afetiva, uma diretora de ator. E nos leva para um lugar de criação, permite criar junto com ela. Incentiva, instiga e favorece esse convívio. Foi uma experiência muito bonita, muito forte na minha vida”, diz Rejane, que também pôde ser vista, recentemente, nas séries “Hit Parade”, “Ausentes” e “Colônia”. Sobre esta última, uma adaptação do livro “Holocausto Brasileiro”, da mineira Daniela Arbex, ela ressalta o complexo trabalho de composição de personagem. “Como a temática era a internação de pacientes com sofrimento mental no hospital-colônia, de Barbacena, foi uma personagem muito pesada no sentido de aqui ali não existia nada para se incentivar, a não ser o silêncio, o escuro, a falta de ação, a falta de diálogo, a falta de carinho e de afeto. É um lugar no qual tudo que a gente conhece, lá não tem. Para compor a personagem, alguns movimentos de afeto – que são automáticos, como o abraço, o beijo, a aproximação –, isso tudo teve que ser retirado para depois ser retomado com muito cuidado. Foi muito desafiador. Mas a Néia também não é brincadeira”, confessa. 

Dos Correios para os palcos 

Mãe de dois filhos, Rejane só resolveu de fato apostar profissionalmente em sua veia artística quando os rebentos já estavam mais crescidos e quando já estava mais estabilizada nos Correios. “Não que família, filhos e o emprego dito ‘convencional’ tenham atrapalhado. Mas meus filhos eram adolescentes, eu estava no desenvolvimento da minha carreira para essa empresa, então meu foco não era isso. Mas, assim que relaxei um pouco, com os filhos adultos, de imediato parti para a atuação. Primeiro, estudei no Centro Universitário de Belo Horizonte, fiz artes cênicas e depois, na sequência, já fui para a UFMG”. Foi lá, aliás, que, durante o curso, formou – junto a Assis Benevenuto, Ítalo Laureano e Marcos Coletta – o QuatroLosCinco, que em breve completa 15 anos de trajetória. “Uma coisa foi puxando a outra, logo vieram os convites para o cinema, por meio da Filmes de Plástico, com a qual trabalho até hoje, graças a Deus. E com a visibilidade deles, nacional e internacional, outros convites para o cinema, em outras praças. Daí chegaram os convites para a TV, séries, e fui fazendo. A cada lugar, chegando com muita expectativa, mas sempre com muita observação. Eu nunca fui atriz de chegar só na hora de filmar. Sempre observo muito, quem são as pessoas (envolvidas), o que me está sendo pedido, com o que posso contribuir... E isso tem me ajudado muito. Então, sinto muito prazer em fazer teatro, muito prazer em fazer cinema e muito prazer em fazer televisão”. E o público, muito prazer em assistir a ela.  

Em tempo: Além do diretor da escola, Jaci (Paulo Gorgulho), e dos professores Lúcia (Debora Bloch), Marco André (Silvio Guindane), Sônia (Hermila Guedes) e Eliete (Thalita Carauta); todos ótimos em seus papéis, o elenco da segunda temporada de "Segunda Chamada" é composto ainda por Angelo Antonio, Flávio Bauraqui, Moacyr Franco, Rui Ricardo Diaz, Jennifer Dias, Pedro Wagner, Tamirys O’Hanna, Gustavo Luz, Nena Inoue, Nataly Rocha e Sidney Santiago, entre outros.

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista:
Muitas características são imputadas a nós, mineiros.. Se identifica com alguma?
(Risos) Tenho todas. Nunca chego em algum lugar sem um queijo, por exemplo. antes de viajar, dou sempre uma passadinha no Mercado Central. Também gosto muito de receber, de ter todos os colegas na minha casa, em volta da mesa, para comer, tomar uma cachacinha. Eu acho que esse acolhimento é muito nosso, e também me sinto uma pessoa de sorte por ser sempre bem acolhida em todos os lugares que vou, todos sets que chego. Outra característica que eu acho que é a cara de Minas: chegar com um sorriso. Sou muito alegre, positiva. Claro que a gente tem o peso de tudo o que está acontecendo na nossa vida, mas também se não tivesse o outro lado, seria muito mais difícil. Acho que de Minas trago isso, esse aconchego, uma vontade de estar perto... 

E de Belo Horizonte, o que gosta de fazer aqui?
Amo minha cidade, não pretendo mudar daqui nunca, faço bate-volta (para trabalhar), mas volto. Citaria em primeiro lugar o ponto onde moro, que, na verdade, fica na região de Esmeraldas, Tem uma pequena vila antes de chegar à minha casa, que é muito acolhedora, um lugar que tem consturireira - olha só que luxo! Tem todas aquelas características interioranas. Para sair, gosto muito de ir aos bairros Floresta e Santa Tereza, estão ali os butecos que mais frequento - além do Maletta, claro, um recanto maravilhoso.

Gostaria de acrescentar algo que não te perguntei?.
Acho importante dizer que nós, atores, estamos disponíveis para dizer o que os dramaturgos e realizadores desejam. Queremos trabalhar, queremos que esse sucateamento termine, para que a gente possa dar vazão à nossa produção. E que ninguém desanime, por favor. 

Segunda Chamada - Segunda temporada 

Globoplay 

Criação: Carla Faour, Julia Spadaccini com Dino Cantelli, Giovana Moraes, Maira Motta e Marcos Borges 

Direção: Joana Jabace, Henrique Sauer e Pedro Amorim 

Direção artística: Joana Jabace 

Direção geral: Pedro Amorim

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!