Indicado a prêmio internacional

Djonga: 'Vejo esse reconhecimento com satisfação, mas não fico surpreso'

Primeiro artista brasileiro a ser indicado ao BET Hip Hop Awards, rapper mineiro celebra conquista importante para ele e para o rap nacional

Por Bruno Mateus
Publicado em 30 de setembro de 2020 | 07:07
 
 
 
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O clima nublado que pintava de cinza a tarde de terça-feira (29) no Rio de Janeiro não combinava em nada com os dias solares e tropicais que o rapper Djonga, 26, e seus amigos estão acostumados a passar na capital fluminense quando lá estão a trabalho. Foi nesse ambiente, longe do sol que banha Copacabana, que o belo-horizontino recebeu uma notícia que, sem exageros, representa a coroação internacional de uma trajetória que começou nas favelas da capital mineira.

Sentado na sala do hotel, Djonga ainda não sabia que acabava de fazer história ao ser o primeiro artista brasileiro a ser indicado ao prestigiado BET Hip Hop Awards, premiação musical focada na cultura negra. Ele concorre na categoria melhor artista internacional, e o evento acontece em 27 de outubro.

A novidade chegou de forma aleatória, como ele conta ao Magazine por telefone: “A Nicole (Balestro, empresária) me falou sobre a premiação, mas eu não tinha prestado muita atenção. Do nada, nosso motorista leu a notícia e perguntou se eu tinha visto. Foi até engraçado. Não estava preparado, mas recebi como uma grande honra. Deu até uma animada no nosso dia nublado”. 

Honra que ele divide com quem o acompanha na travessia. Djonga faz questão de nunca celebrar suas conquistas sozinho. Seja ao lado dos camaradas da quebrada, seja ao lado da família – o rapper é pai de Jorge, de 4 anos, fruto do relacionamento com a ex-mulher Yasmin, e da pequena Iolanda, que completa 1 ano em novembro, de sua união com a atual esposa, Malu –, ele sempre evoca quem esteve ao lado dele nessa caminhada que ganhou referências definitivas no bairro São Lucas, na região Leste de BH, onde ele cresceu em meio a música, poesia e violência. “Já nasci em crise, mano: sou preto. Nasci com todos os dedos apontados para mim”, comenta. 

Ontem, ao interromper a entrevista por alguns segundos para celebrar com um brinde a indicação ao BET Hip Hop Awards, Djonga fazia também uma ode à sua trajetória e à de uma construção coletiva artística que usa sua voz em versos e rimas com boas doses de denúncia e críticas sociais. “Vejo esse reconhecimento com satisfação e carinho, mas não com surpresa. Minha ideia sempre foi essa, fazer barulho, mudar as coisas, participar da mudança do mundo. Depois eu descobri que ia ser com a música. Mano, com toda humildade do mundo, não fico surpreso com esse reconhecimento”, diz. 

Sobre o rap em BH, em evidência nacional há mais de uma década com o Duelo de MCs e os vários artistas que saíram desse importante movimento, Djonga diz que a cena na capital está batendo na tecla há muito tempo. “Graças a Deus, muitas pessoas estão ouvindo o nosso rap. E como tenho que puxar a sardinha para o nosso lado, é a cena mais forte do país”, enaltece o músico.

Ainda adolescente, na zona Leste de BH, Djonga começou a escrever seus versos, e a realidade que se impunha diante de seus olhos naturalmente passou a ser inspiração de suas canções, que falam de racismo, violência policial, desigualdade social e outras tantas mazelas com as quais ele diz ter convivido por muitos anos e que lhe deram certa malícia para enfrentar o mundo. Djonga não fala disso com orgulho.

Preferia não ter visto amigos e amigas enfrentando tantas dificuldades. Preferia não ter tomado sua primeira batida policial aos 10 anos. “Passei meus venenos também, mas, de muitos ali, eu tinha uma condição melhor por minha mãe ser funcionária pública e ter tido alguma estabilidade”, o músico relembra. 

Por isso, por toda essa história de vida, é natural que ele proclame “Fogo nos racistas” ou reivindique o poder negro em uma apresentação poderosa e emblemática como a realizada na semana passada, durante o “MTV Miaw 2020”. Do alto de um prédio, ele cantou três músicas, e os bailarinos que o acompanhavam exibiram a frase “Parem de nos matar” em suas camisetas. “É uma guerra, né? Não sou o único que faz essas denúncias. São vários e várias”, alerta.

Desde que Djonga soltou “Heresia” na praça, em 13 de março de 2017, tudo que ele canta, diz ou escreve ganha repercussão monumental. E os números atestam esse fenômeno. No YouTube, suas músicas costumam ter entre 5 milhões e 10 milhões de acessos. O terceiro disco, “Ladrão”, de 2019, alcançou 15 milhões de reproduções na internet em apenas uma semana. “Histórias da Minha Área”, de março deste ano, bateu 3 milhões de visualizações no Spotify, em três dias, e 13 milhões no YouTube, em uma semana. 

E Djonga não para. Quando conversou com a reportagem, estava no Rio gravando músicas e dando sequência aos trabalhos de “Histórias da Minha Área”, “com muito cuidado, depois dos primeiros meses enclausurado, colocando o trampo em dia para não perder o ano”. Na correria entre uma agenda e outra, ele volta a falar sobre a indicação ao BET Hip Hop Awards.

“É um passo importante conseguir chamar a atenção do mundo inteiro falando as coisas que eu falo, fazendo as denúncias que faço. É um passo importante não só para mim, mas para o hip-hop e a música nacional”, ressalta.

Djonga convive com a necessidade natural de cantar sobre injustiças e o caos ao mesmo tempo em que, ao se autointitular romântico, mas não inocente, acredita numa mudança que também passa pela arte e pela tomada de consciência coletiva, mas sem sentimentalismo. “Esperança é coisa de rico”, ele diz.

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