Depois de dois anos à frente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), a artista visual, educadora e gestora cultural Fabíola Moulin assume o comando da Secretaria Municipal de Cultura. Ela foi anunciada ontem pelo prefeito Alexandre Kalil para ocupar a vaga deixada por Juca Ferreira. 

O discurso é de continuidade, com o propósito de avançar nas conquistas da gestão anterior e de ampliar o diálogo com a cidade, o que, segundo Fabíola, já vem se dando com participação popular nas decisões, descentralização das atividades do órgão e valorização da cultura de povos invisibilizados culturalmente na cidade. Na entrevista a seguir, exclusiva para o Magazine, a gestora fala sobre os desafios que tem pela frente em 2020, como ampliar a programação oferecida na Pampulha e implementar novos projetos de audiovisual e de patrimônio.

Você e Juca já tinham uma gestão afinada e um tanto compartilhada à frente da fundação e da secretaria, respectivamente. Isso aponta para uma continuidade? A gente vinha construindo junto um trabalho muito potente e importante na cultura. A possibilidade de trabalhar com o Juca foi de aprofundar as políticas públicas de cultura, e, ao longo do último ano, viemos fazendo esse desenho e entregando coisas para a cidade. Avançamos em boa parte das ações e projetos, e foi graças a esse trabalho coletivo, que era comandado e liderado pelo Juca. Ele veio para consolidar a secretaria, e isso foi feito. E ele sempre prezou pela construção coletiva, e sempre tivemos um apoio muito grande do prefeito, entendendo o papel da cultura como desenvolvimento humano, transformador social, levando sempre em consideração a dimensão simbólica, cidadã e econômica da cultura, inclusive gerando emprego e renda. E a minha escolha para ocupar o cargo aponta para uma continuidade desse processo.

O que muda na prática no seu papel de presidente da fundação para se tornar secretária de Cultura? A fundação, além de participar das ações de construção de política pública, tem um perfil executivo, de realizar os programas, gerir os equipamentos culturais, realizar os festivais. Mas a secretaria tem esse papel de elaborar a política cultural mais extensa pela cidade, promove de forma mais ampla o diálogo com todas as instâncias, desde artistas e coletivos até o papel institucional dentro da macropolítica da prefeitura, na relação com outras secretarias, de programas integrados. Mas o mais importante é que, independentemente de ser na fundação ou na secretaria, o que está havendo é a construção de um sistema municipal de cultura, em que esses órgãos se complementam. 

Nos bastidores, se comenta que uma das conquistas de Juca era a força política que ele tinha junto ao prefeito, conseguindo muitas vezes reforço nos orçamentos para as atividades da secretaria. Você acha que essa porta continua aberta pra você? Foi fundamental na criação da secretaria essa força política e o diálogo dele (Juca) com o prefeito, o que gerou a possibilidade de ampliação de recurso, orçamento, equipe. Isso realmente ele fez muito bem, mas, de qualquer modo, já existe hoje na gestão municipal uma consciência de que a cultura é uma pasta importante, um compromisso de campanha cumprido pelo prefeito que fala “entendi a cultura como um direito”. Ao mesmo tempo, todo esse esforço foi feito sempre em conjunto, estivemos em muitos momentos juntos com o prefeito. No momento que aceitei, vi esse compromisso de manter esses avanços. 

Você diz que seu desafio é avançar o que já vem sendo feito. Onde você percebe que se pode fazer mais e melhor? Uma delas é o processo de descentralização, que já começou. Por exemplo, detectamos áreas em que temos pouca atuação da cultura, como um pedaço da região Leste que engloba Alto Vera Cruz, Taquaril, Granja de Freitas... e estamos fazendo uma ação para mudar isso. Temos que chegar a todos os locais de fato, inclusive preparando as pessoas desses locais para participarem dos projetos por meio da Lei de Incentivo à Cultura e do Fundo Municipal. Na Pampulha, fizemos ações importantes, como o restauro da igreja São Francisco de Assis, a requalificação dos jardins de Burle Marx, mas temos que fortalecer as ações educativas. No próximo ano, com o chamamento público, vamos ampliar e qualificar a programação na Pampulha, para dialogar ainda mais com o entorno, e iniciar o restauro do MAP. Ano que vem, no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), vamos incluir uma área de animação, um diálogo importante de ser feito. Outro desafio é a implantação mais estruturada da Film Commission, que é uma comissão que cria condições e faz aprovações para que as produções audiovisuais sejam realizadas dentro da cidade. Ela já existe, mas de forma ainda muito embrionária. A ideia é chegar até o fim da gestão com essa comissão funcionando plenamente e que possa gerar um incremento nessa produção.

Essa gestão tem dado seu recado quanto a dar visibilidade a grupos antes menos contemplados? Tem mesmo aí uma parte muito importante da nossa ação na cidade que é fazer com que aquilo que foi apagado e desvalorizado ao longo da história – no que diz respeito aos povos indígenas e outros que ficaram invisibilizados – é a matriz da nossa cultura brasileira. E trabalhar com pluralidade, diversidade, com diálogo, com respeito às diferenças, um gesto muito importante e simbólico.