Cinema nacional

Filme com Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini aborda opressão masculina

Suspense 'Uma Família Feliz', dirigido por José Eduardo Belmonte, estreia nesta quinta-feira (4)

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 03 de abril de 2024 | 09:52
 
 
 
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“Se for comercial, prefiro fazer novelas. Eu me interesso por um cinema mais diferente”, explica Grazi Massafera, em entrevista a O TEMPO, ao comentar a pequena lista de trabalhos feitos para a tela grande. A atriz paranaense revela que já recebeu convites para produções de apelo mais comercial, mas não quis repetir o mesmo tipo de papel que já vinha desempenhando na TV. É o que justifica a presença dela em “Uma Família Feliz”, filme que protagoniza ao lado de Reynaldo Gianecchini, com estreia nesta quinta-feira (4).

Dirigido por José Eduardo Belmonte, responsável por lançar Grazi nos cinemas com “Billi Pig”, há 13 anos, o longa é um thriller de suspense – por si só, agora raro na cinematografia brasileira. “Eu sinto que há um certo preconceito aqui no Brasil (em relação ao cinema de gênero), o que é uma grande bobagem, porque a gente deveria ter uma indústria de cinema, com tudo. A gente faz ótimas comédias românticas, filmes importantes que falam da questão social, mas sinto falta de outros gêneros”, analisa Giannechini.

O ator, que também concentra na TV a maior parte de seu currículo, destaca que “Uma Família Feliz” joga luz sobre várias “questões importantes para a gente discutir hoje em dia”, ligadas à família e aos papéis do homem e da mulher na sociedade. Na trama, ele é o marido rico, viúvo e pai de gêmeas que parte para o segundo casamento com a personagem de Grazi, Eva. Logo após dar à luz, estranhos fatos passam a acontecer na casa, em que ela se torna a principal suspeita, colocando em dúvida a sua sanidade.

 

“Não tem como dizer que o personagem do Giane seja cruel com ela, explicitamente. Acho que ele entra na categoria do passivo-agressivo, que a gente vê muito. É uma forma masculina tóxica de lidar hoje com a mulher dentro de casa, descredibilizando, por exemplo, o trabalho da mulher quando ela se torna mãe. Ou então não levar em consideração toda a parte hormonal, que se desestabiliza no pós-parto. É quimicamente comprovado o quanto a gente fica defasada de certos hormônios, no limiar da loucura realmente”, registra Grazi.

Ela salienta que a crueldade, na maneira como a sociedade trata com normalidade essa “opressão de ter que dar conta de casa, dos filhos e dele, de maneira perfeita”. Para além dos artifícios próprios do suspense, Grazi afirma que esse é um “lugar no filme que lhe faz também sentir agoniada”, já que muitas mulheres vivem essa situação dentro de casa. “O filme joga isso na cara, deixando-o explícito. É uma ferida social. É bom que se fale sobre o puerpério. Ela existe, é real”, pondera a atriz, que vai ainda mais longe do que é mostrado na tela.

“Será que ela queria ser mãe? Será que ela criou ou conduziu a vida dela para essa família perfeita por uma questão mais social, imposta a ela? Essa mulher talvez quisesse uma profissão mais estabilizada antes de ter uma família. A todo momento, a personagem reflete: ‘Será que sou eu que está fazendo isso? Será que estou louca?’. Qual homem não falou ‘você está louca!’? É uma frase rotineira, mas nela está embutido muita coisa. É sempre dita de forma inconsequente em momentos femininos difíceis, como TPM, menopausa e puerpério”, assinala.

Na entrevista, em vários instantes ela se põe como exemplo dessa busca de realização feminina. “Uma mulher bem resolvida e feliz, aos meus olhos, é aquela que se realiza, que faz as coisas que deseja. Eu amo o meu trabalho e me dedico a isso. Eu escolhi ser mãe, não fui sendo levada para... Cada vez mais venho me apropriando da mulher que eu sou, da profissional que sou, e acredito que não preciso estar dentro de um relacionamento feliz ou tóxico para estar bem. Estou aberta a um relacionamento bom, saudável, mas não é a minha prioridade”.

Gianecchini aponta outra questão importante abordada no filme, que é a cultura do cancelamento. A história se passa quase inteiramente dentro de um condomínio fechado, marcado por “uma vida social de aparências e julgamentos”, segundo o ator. “Ali a Eva é julgada com base em fatos que não sabemos direito, quase sendo linchada se deixassem. É algo muito atual, que a gente tem parar para pensar. Às vezes as pessoas ficam pirando por uma questão de um dedinho para baixo ou um dedinho para  cima, de curtir ou não curtir”.

Reação com a presença do autor no set

Para Gianecchini, foi uma grande sorte contar, no set, com o autor do livro em que o filme se baseia. Hoje uma referência na literatura brasileira de suspense, Raphael Montes foi o diretor assistente do longa.  “Sempre curto essa ideia de quem tem o domínio da história participar no set. No set acontecem coisas que vão além do que ele pensou. O Raphael trabalhou super bem com o diretor, numa parceria perfeita. Eles sempre discutiam muito entre eles. Eu e a Grazi também éramos abelhudos e queríamos participar de tudo. E eles eram abertos também”, relata.

Grazi descreve Montes como uma figura muito aberta, criativa, inteligente, espontânea e divertida. “Em nenhum momento foi um peso. Até pensávamos que poderia ser, se caso a gente quisesse mudar alguma coisa. Eu sou o que Giane disse. Tem coisas que, quando você vai pegando a embocadura do personagem, quer fazer. Mas em nenhum momento a gente foi para outro caminho. Pelo contrário, a gente acrescentou coisas. Por isso, foi muito gostoso”, comenta a atriz, que enxerga novas possibilidades no cinema.

“Eu comecei na profissão sem saber nada, aprendendo aos olhos do público. A novela foi um lugar muito especial para isso, porque ali você tem que se virar nos 30. É muito corrido. Tem que ter energia de atleta para aguentar o ritmo. É todo dia um capítulo no ar. É um lugar para se aprender ou se afundar.  Acostumamos a ver um mundinho do cinema, do teatro e da televisão. Mas nos últimos tempos a gente está mais disposto a trocar figurinha, por mais que eu tenha uma cara de novela, por ter feito mais esse formato”, avalia Grazi.

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