Após algumas semanas de ansiedade, Imane Rane está tranquilo. Uma certa inquietação agora dá lugar a um sentimento de dever cumprido – ou alívio e bem-estar como se fosse alguém que solta a voz depois de muito tempo querendo gritar. Artista que surge na talentosa cena do rap de Minas Gerais, Imane lança nesta sexta-feira (17), nas plataformas digitais, seu EP de estreia. Com seis faixas, “Gana” é o primeiro passo de um jovem que impressiona pela lucidez e maturidade mesmo tendo só 18 anos e uma carreira que começou há três ou quatro.

Filho de Sérgio Pererê, artista de múltiplas vozes e sons, Imane Rane herdou da família o gosto pela música. Os primeiros contatos com o rap e a cultura do hip hop aconteceram em casa muito por influência do pai, mesmo ele não fazendo diretamente rap, e do tio Luciano Zulu, MC da turma pioneira do gênero em BH, nos anos 1980. Já na adolescência, Tupac Shakur, Dr. Dre, Notorious B.I.G, Laurin Hill, Snoop Doog, Racionais, Sabotage e MV Bill são alguns dos nomes que fizeram a cabeça de Imane de forma definitiva naquele tempo. De BH, Djonga, Roger Deff, Douglas Din, Tamara Franklin, Kainná Tawá e MC Matéria Prima estão entre as referências do músico.

Em 2018, o rapper percebeu que tinha facilidade para a escrita e começou a tomar gosto por criar canções sobre situações do dia a dia. “Vi que conseguia desembolar as coisas e comecei a ter vontade de escrever mais e fui me aprimorando, mesmo que aquilo não virasse música”, ele conta. Imane começou a se envolver com a cena do rap local e a frequentar projetos como o Bala na Palavra, fundamental em seu desenvolvimento artístico.

“Ali comecei a experimentar, subi ao palco algumas vezes, fiz um free style. Aquilo me encheu os olhos”, lembra. Nos últimos dois anos, ele lançou quatro singles. “Gana” tomou forma sem que o músico pensasse em lançar um EP agora. O disco é uma maneira que ele encontrou de narrar as vivências de um jovem negro da periferia de forma leve, sem abordar assuntos que tenham necessariamente a ver com violência.

“Gana” está mais para uma viagem introspectiva de um jovem artista querendo falar sobre amor, união e solidariedade: “A gente está morrendo desde sempre, desde que pisou aqui. Passamos pelo racismo por conta da estrutura social do país pensada para nos atrasar desde sempre, mas isso não é algo que vá me impedir de fazer meu trabalho. mas a proposta do EP é fazer com que outras coisas apareçam, como a nossa arte, a nossa cultura, a nossa história. Quero proporcionar coisas boas para mim e para quem está perto de mim”.

Todas as letras do EP foram compostas por Imane durante a pandemia e chama a atenção que ele também tenha feito os beats e produzido o disco de forma caseira, entre muitos cliques e edições nos softwares do computador. Embora possa parecer um trabalho solitário, do artista consigo próprio, sozinho não é uma palavra que o rapper gosta de usar. Ele prefere ressaltar que o processo de criação e o resultado que chega hoje às plataformas são só a ponta do iceberg.

“Antes de tudo isso vem muita coisa, pero referências da minha família, sempre uma base muito potente”, diz. Essa convivência com pai, tias e primos, sobretudo na pandemia, fez com que “os beats e as letras fossem só a expressão de tudo que eu estava vivendo e resgatando. São letras que pensei muito em fazer mais no sentido da introspecção, mas também são para chegar nas pessoas que se parecem comigo”.

“Gana” é o título do disco - e de uma das faixas - não por acaso. Para Imane, a palavra remete à ambição, à vontade de querer construir algo importante para si e para quem o cerca. Ele diz expor suas ideias para que outras pessoas se perguntem o que elas querem e o que as movimenta.

Enquanto prepara a próxima jogada, Imane Rane, feliz com o resultado, quer curtir o EP e espera que ele chegue aos ouvidos de quem se identifica com o que ele diz. Deve ser por isso que em “Bona”, música que abre o álbum, o rapper canta: “Tudo que eu faço vem do coração/ Espero ser pra sempre assim/ Quando eu consigo ser inspiração/ Isso já é suficiente pra mim”.