“Pode falar, velho, vamos fazer a entrevista agora mesmo”, diz João Gordo numa pronúncia rápida, parecendo estar com pressa ou na correria entre compromissos de uma tarde de segunda-feira. A conversa de pouco mais de 30 minutos aconteceu quatro dias antes de o vocalista da banda punk Ratos de Porão dar entrada na UTI, no dia 9, devido a uma pneumonia grave, mesmo motivo que o havia levado ao hospital meses atrás. Anteontem, após a alta, ele postou um vídeo no Instagram agradecendo o carinho dos fãs e admitindo: “Desta vez, quase empacotei”. 

Há exatas duas semanas, João Gordo já havia confessado, ao Magazine: “Tô meio zoado, com 60% do meu potencial. Fui muito doido, mas agora preciso me cuidar, senão vou embarcar. Tenho 55 anos e preciso tomar vergonha na cara, né?”. Aliás, por conta dos problemas de saúde do vocalista, a banda, fundada pelo guitarrista Jão e formada ainda pelo baterista Boka e pelo baixista Juninho, cancelou a turnê que faria na Europa.

Contudo, trabalho é o que não falta na vida João Gordo. Além de viajar com o Ratos em festivais pelo Brasil, ele comanda o “Eletrogordo”, programa no Canal Brasil que está em sua quarta temporada, e o “Panelaço”, semanal em seu canal no YouTube em que recebe personalidades em sua casa enquanto um chef prepara um prato vegano. Quando encarna o papel de entrevistador, essa figura que habita a cultura pop brasileira há, pelo menos, três décadas, se sente confortável. O contrário é que o irrita. “Sou pentelho, não gosto nem de tirar foto, mas sei que é inevitável”, diz, resignado. 

Cumprir o jogo social não passa nem perto de ser uma das maiores amolações de João Gordo. O que, de fato, lhe causa indignação é o momento atual da política brasileira. A revolta com a situação faz com que ele eleve a voz. Os alvos são Jair Bolsonaro e os eleitores responsáveis por elevar “essa figura nefasta, ignorante e malvada” ao posto de presidente do país. “O Bolsonaro é o representante do ‘tiozão do pavê’, do cara que fala ‘merda’ na pelada e no boteco, que é racista e homofóbico”, crava o apresentador, que completa sem perder o fôlego: “No Brasil, tem pobre achando que é classe média, classe média pensando que é elite, e elite achando que é gringo”, vocifera João Gordo, utilizando-se de todo o arsenal de palavrões possíveis. 

Aniversário 

No entanto, 2019 é um ano para celebrar marcas importantes – pelo menos para o Ratos de Porão. A banda comemora 35 anos de seu primeiro disco, “Crucificados Pelo Sistema”, e 30 do emblemático “Brasil”, gravado em Berlim e produzido por Harris Johns, que assinou trabalhos de nomes de peso do metal, entre eles Kreator e Destruction. Foi com “Brasil” que o Ratos fincou seu pé na Europa e nos Estados Unidos. 

Composto por 18 músicas que escancaram a crítica política e social da banda, entre elas “Amazônia Nunca Mais”, “Farsa Nacionalista” e “Terra do Carnaval”, o aniversariante “Brasil” nunca fez tanto sentido para um personagem que sempre usou a música para se manifestar. “O retrocesso é tão grande que eu jamais imaginaria que essas músicas de 30 anos atrás teriam tanta relevância hoje em dia”, observa João Gordo. 

Ratos de Porão

Sem lançar material inédito há cinco anos, João Gordo disse que a banda já trabalha em novas músicas: “Precisamos mexer os pauzinhos”. Ele e o guitarrista Jão dividem as composições.