Cinema

A consciência feminina

Vencedor de seis Kikitos em Gramado, incluindo melhor filme, “Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky, estreia nesta quinta-feira (31)

Por Daniel Oliveira
Publicado em 31 de agosto de 2017 | 03:00
 
 
 
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O direito de criar e inventar é algo natural para os homens. Eles podem ser Mozart e Einstein, enquanto suas mulheres, via de regra, ficam em casa criando os próximos Mozart e Einstein. Que vão crescer, criar e inventar, enquanto suas mães leem em revistas femininas que ainda existem poucas grandes mulheres inventoras e artistas – sem receberem crédito por seu trabalho.

Rosa (Maria Ribeiro) – protagonista de “Como Nossos Pais”, que estreia nesta quinta-feira (31) – é uma dessas mulheres. Ela abriu mão do sonho de ser dramaturga para ter um emprego que lhe permitiria cuidar das duas filhas, enquanto seu marido, o sociólogo Dado (Paulo Vilhena), tenta salvar as tribos amazônicas. Mas, ao receber uma bomba da mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), logo na primeira sequência do longa – ela não é filha do homem que a criou, e sim fruto de um caso ocorrido durante uma viagem a Cuba –, Rosa passa a questionar todas essas escolhas, sua própria identidade e esse modelo familiar patriarcal a que ela e a maioria das mulheres vêm servindo há milênios.

“Tem a ver com o momento que nós, mulheres, estamos vivendo na sociedade, tomando consciência e entendendo as opressões que sofremos, não aceitando e apontando o dedo para mudar”, afirma a diretora Laís Bodanzky.

Fazer “Como Nossos Pais” foi a forma encontrada pela cineasta – cujo único filme protagonizado por uma mulher havia sido seu primeiro curta, “Cartão Vermelho” – de contribuir para esse processo. “A diferença dele para o curta é que ele é consciente da urgência de dividir esse pensamento com mais pessoas. Sem tomar essa consciência e fazer esse diagnóstico, não tem como mudar”, avalia.

E o objetivo do longa é exatamente levar essa tomada de consciência de Laís – e de várias mulheres de sua geração – para as telas. “Como Nossos Pais” não é apenas um filme feminino. É um filme que discute as várias questões da mulher contemporânea em cada uma de suas cenas e apresenta, em suas diferentes personagens, as diversas facetas e gerações do feminismo hoje: o de Clarice, que foi dura e exigente para que a filha fosse forte e preparada para um mundo masculino e machista; o de Rosa, que começa a enxergar a injustiça incutida nisso e como isso se reflete em sua relação com as próprias filhas; e a de Caru (Antônia Baudouin), meia-irmã adolescente da protagonista, que já entendeu e negou toda essa engrenagem patriarcal.

O longa mostra como essas mulheres muitas vezes se julgam e se culpam, reproduzindo discursos sociais do que é ser uma “mulher boa” ou “mulher ruim”. Clarice acha que o trabalho de sociólogo do genro é mais importante que a carreira da filha. Rosa ressente-se pela falta de carinho e apoio da mãe. Caru acha que Rosa está reproduzindo um modelo patriarcal.

Mas na crise de identidade da protagonista – que acredita ser muito mais determinada pelos homens de sua vida: o pai de criação, o biológico, o marido, o flerte – Laís mostra que essas mulheres são bem mais definidas e resultantes da força uma da outra do que querem admitir. Rosa não seria tão resiliente sem Clarice, e Carus não existiriam sem Rosas para criá-las.

“A solidariedade é o que mais me chama a atenção nesse movimento do feminismo atual. Adoro essa frase ‘mexeu com uma, mexeu com todas’. Como estamos alerta umas para as outras e como isso nos dá coragem de falar, em vez de esconder na solidão. Eu mesma mudei muito durante o processo de confecção do filme, especialmente no meu olhar em relação à minha mãe”, reflete a cineasta que, curiosamente, seguiu a carreira do pai, Jorge Bodanzky.

“Como Nossos Pais” é exatamente sobre essas mulheres que falam, questionam, transformam. Um filme de mulheres fortes, pragmáticas, e homens teóricos, sonhadores, como Dado e Homero, o pai artista de Rosa (um ótimo Jorge Mautner). “Ele devia se chamar ‘Como Nossas Mães’”, brinca a cineasta.

Ela reconhece que pensou na mudança, mas o título da canção de Belchior surgiu antes mesmo do roteiro, como uma inspiração. “Só que ele guarda essa insistência de botar o masculino no centro dos holofotes. E eu não coloco a letra em cena exatamente porque não queria essa legenda para o filme. Podemos ainda ser os mesmos, mas também somos opostos”, argumenta.

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