Artes cênicas

A Domingos e aos palhaços

O grupo circense La Mínima celebra 20 anos de trajetória com novo espetáculo, dirigido pelo ator Chico Pelúcio

Por Joyce Athiê
Publicado em 29 de março de 2017 | 03:00
 
 
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A dupla de palhaços Agenor e Padoca nasceu em uma escola de circo no final dos anos 80. Ainda que envolvidos no trabalho com outras companhias, eles foram para a rua no espírito mambembe, carregados de desejos de experimentar o espaço público e a arte da palhaçaria. Até que, em 1997, eles fundaram uma companhia, o La Mínima, idealizada por Domingos Montagner e Fernando Sampaio.

Mesmo com a morte de Montagner, por afogamento no rio São Francisco, em setembro de 2016, Padoca e Fernando, que perderam um companheiro de circo e de vida, continuam a perpetuar e celebrar a história construída em parceria. Completando 20 anos, o La Mínima estreia nesta quarta-feira (29), em no Teatro do Sesi, em São Paulo, “Pagliacci”, com direção de Chico Pelúcio,do Grupo Galpão. As comemorações ainda relembram a trajetória da dupla com exposição e uma mostra de repertório. Ainda não há previsão de apresentação em Belo Horizonte.

“Nosso encontro foi muito feliz. Domingos foi um cara especial, e eu tive a sorte de ficar tanto tempo próximo a ele. É uma referência forte para o circo. Nos anos em que se dedicou à TV, nunca deixou de falar sobre o circo, sempre foi fiel”, afirma Sampaio.

A origem circense do La Mínima se misturou a diversas técnicas, como o repertório clássico do palhaço, que, ao longo da trajetória do grupo, saiu das ruas e ganhou o palco. “Nós sempre tivemos interesse pelo trapézio, pelos voos. A questão acrobática é forte na nossa linguagem. Domingos era um atleta, um homem forte. Nossa dupla tinha uma comicidade física, mas também mantinha a comicidade da palhaçaria. Nós tivemos grandes mestres, como o palhaço Picolino, do Roger Avanzi, por exemplo. Quando eu vi Picolino, pela primeira vez, decidi que o palhaço seria minha forma de me expressar no mundo”, diz o artista.

“Eu e Domingos não tínhamos um projeto artístico, mas queríamos trabalhar juntos, formar uma dupla. Não tínhamos certeza de nada além da paixão pelo ofício. Quando se inicia a construção de um espetáculo, você nunca sabe no que vai dar, nunca sabe o que vai acontecer no processo. E a nossa trajetória também é assim”, completa Sampaio.

Pontes. O convite para que Pelúcio dirigisse o La Mínima havia sido feito por Montagner há mais de dez anos, mas o plano nunca se concretizava. “Esses dias tentei me lembrar do primeiro encontro que tive com Domingos e Fernando, mas não consegui. Foi há 15 anos, aproximadamente. Vivíamos nos esbarrando, nos assistindo. Quando vim para São Paulo dirigir o Circo Roda, Domingos esteve presente nos ensaios e foi uma referência no processo”, lembra o mineiro.

Em “Pagliacci”, as afinidades e os diálogos entre Pelúcio e o La Mínima tomaram a cena, ainda que diante das diferenças de linguagem. “O La Mínima vem com a vivência da palhaçaria e do circo, e eu cheguei com o teatro, com a poesia, com o drama. Colocamos isso tudo dentro de uma obra só. Esse espetáculo tem uma dramaturgia elaborada, feita por Luís Alberto de Abreu. Deixamos o teatro influenciar o circo e o circo influenciar o teatro. Esse era o grande desafio, de aliar a gag (efeito cômico), o riso, dentro de uma dramaturgia que tem emoção, drama e o universo da ópera”, comenta o diretor.

Além do encontro de linguagens, a experiência de Pelúcio a partir dos processos de criação do Grupo Galpão com diretores convidados também foi vivida pelo La Mínima. Por meio de workshops, os atores criaram cenas que foram apresentadas ao diretor e ao dramaturgo. “Eu e Abreu trabalhamos a partir do que eles nos apresentaram, com a identidade deles. Essa é uma garantia de o material que está em cena ser o DNA do La Mínima. O conteúdo, as relações, tudo veio do grupo”, conta o ator e diretor do Galpão.

É nesse processo que Abreu parte de “Pagliacci”, ópera composta por Ruggero Leoncavallo (1857-1919) e mundialmente conhecida, e a recria com base no universo da companhia. “Leoncavallo traz um conceito para o espetáculo que é o perigo da humanização do palhaço. Colocamos em cena uma companhia de palhaços, contamos sua história, que é um pouco a história dos grupos populares, como o Galpão, o La Mínima. Mas a companhia dessa peça tem o objetivo de fazer um drama de alto nível e abandonar a palhaçaria. Essa transição de um palhaço que quer se transformar em um ser humano o leva ao ciúme, à mágoa, ao ódio e chega ao ponto de cometer um assassinato”, conta o diretor.

Ele explica ainda que o texto da ópera traz marcas do machismo, que foram retiradas na dramaturgia de Abreu, que incluiu na montagem uma personagem feminina.

Todo o projeto de comemoração dos 20 anos do grupo La Mínima é uma homenagem a Domingos Montagner, que se reflete inclusive em cena. “Do ponto de vista da produção, a ausência de Domingos nos fez trabalhar mais, e, do ponto de vista da criação, foi difícil trabalhar com o emocional. A peça tem um painel que é a cara de um palhaço. O público não percebe, mas é Domingos. Ele e o Fernando tinham uma cena clássica em que faziam duas bailarinas. Fazemos uma referência a essa cena no espetáculo, embora trabalhá-la tenha sido um pouco melindroso. Todo mundo queria fazer uma homenagem a ele, mas não sabíamos como”, conta Chico Pelúcio.

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