Exposição

A intimidade de Drummond 

Mostra exibe cartas originais de Carlos Drummond a familiares e relaciona essas histórias com sua obra poética

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 18 de novembro de 2014 | 04:00
 
 
 
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A troca de correspondências entre Carlos Drummond de Andrade e outros escritores brasileiros é conhecida e há alguns anos vem sendo publicada. Menos acessíveis eram aquelas que ele escreveu para os seus familiares. Embora nessas o assunto não fosse a literatura, o conteúdo delas, para Marconi Drummond, não deixa de ser interessante aos leitores.

Primo do poeta e um dos curadores da mostra “QuasePoema – Cartas e Outras Escrituras Drummondianas”, Marconi celebra a maneira como esse acervo inédito é exibido agora na exposição inaugurada hoje na Casa Fiat de Cultura.

“Eu vejo essas cartas como um conjunto precioso, especialmente pelo valor histórico e afetivo desses textos. Neles, Drummond não só comenta alguns fatos como o convite do ex-ministro Gustavo Capanema para trabalhar no Ministério da Educação e Saúde Pública, mas também revela a maneira como ele se relacionava com os seus familiares, dando uma outra dimensão de sua personalidade e da sua vida íntima”, diz Marconi Drummond.

Adquiridos no ano passado pela Fundação Carlos Drummond de Andrade, na época presidida por Marconi, os documentos são aproximados, pela primeira vez, de outros que pertencem ao Instituto Moreira Salles. O curador conta que quando comprou esse material guardado, desde a década de 1970, pelo jornalista Eduardo Cicarelli, começou a pesquisar a possibilidade de encontrar respostas para algumas mensagens escritas por Drummond a sua mãe e a seus irmãos.

Assim, ele consultou os arquivos da Casa de Rui Barbosa e do Instituto Moreira Salles. Ao lado da também curadora Fabíola Moulin, Marconi localizou, no segundo local, os diálogos entre o escritor e a mãe, Julieta Augusta Drummond de Andrade.

“Nós identificamos ali, as cartas escritas pela mãe dele e que conversavam com as que Drummond havia escrito. Nós não conseguimos expor os originais daquelas, como estamos fazendo com as do autor. Mas temos as cópias digitais das cartas de Julieta que são projetadas em uma das salas da mostra”, conta ele.

Centrado nessa comunicação, o projeto expositivo dá grande atenção ao círculo familiar de Drummond. De acordo com Marconi, o desafio foi, a partir disso, criar uma ambientação capaz não só de apresentar outros aspectos da biografia do poeta, mas também de provocar o visitante a conhecer melhor o seu universo e as suas criações.

“De forma alguma nós pretendemos esgotar com esse trabalho alguma questão histórica ou biográfica em torno da vida de Drummond. A intenção é muito mais sugerir a possibilidade de um novo encontro com as memórias que ele deixou, servindo como um estímulo para as pessoas, inclusive, revisitarem seus poemas”, observa o curador.

Para alcançar esse efeito, ele concebeu uma espécie de trama em que são deixadas algumas pistas para o público relacionar vida e obra de maneira mais livre. As referências surgem nos vídeos em que artistas, a exemplo de Marília Pêra, recitam versos de Drummond em uma das salas. Já em outro espaço, há auto-falantes instalados na parede para que o visitante encoste o ouvido e ouça a voz do mineiro lendo os seus poemas. “Essa costura leva cada um a construir uma visão do escritor que pode ser completamente diferente”, observa Marconi.

Responsável pela expografia, o arquiteto Paulo Waisberg acrescenta que toda a linguagem visual da exposição foi inspirada nos elementos gráficos contidos nas cartas e nas marcas deixadas nelas pela ação do tempo. No principal ambiente, onde estão exibidos os documentos originais, esse traço é ainda mais enfatizado com algumas lupas para que observações muito sutis não escapem do olhar do visitante.

“A caligrafia de Drummond é muito interessante. Por meio das lentes, nós conseguimos uma observação de maneira muito detalhista. Até mesmo os erros ou borrões provocados por alguma hesitação ou atrito ficam evidentes. É um contato muito forte com essa memória”, diz Waisberg.

Para ele, a mostra, ao trazer traços tão pessoais, reforça a dimensão humana de Drummond. “Acho que, além de sua figura pública, aqui nós miramos especialmente a sua humanidade e as características que o aproximam de todos os outros homens”, conclui Waisberg.

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