“Em Ritmo de Fuga”

Cantando pneus e marchas

Filme de Edgar Wright (“Scott Pilgrim Contra o Mundo) é um ótimo longa de ação filmado como um musical

Por Daniel Oliveira
Publicado em 27 de julho de 2017 | 03:00
 
 
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Inventado em 1910 para fins telefônicos e industriais – e adaptado pela primeira vez em 1958 para fins musicais – o fone de ouvido é, antes de tudo, uma ferramenta de poder. Colocar seu fone, montar sua playlist e isolar o resto do mundo é criar sua própria narrativa. Não importa quem são as pessoas ao seu redor, qual é seu trabalho ou quão caóticas e sujas as ruas por onde passa, no momento em que reescreve tudo isso com a trilha certa, você não só se torna o protagonista de sua história – você está no controle dela.

É isso que o protagonista Baby (vivido por Ansel Elgort) de “Em Ritmo de Fuga”, que estreia nesta quinta (27), tenta fazer. Ele é um motorista que dirige carros de fuga para assaltantes, como forma de pagar uma dívida com o misterioso Doc (Kevin Spacey). Obrigado a usar fones para anular o zumbido causado por um acidente na infância, Baby escolhe sempre a música perfeita para cada uma de suas escapadas insanas e alucinantes pelas ruas de Atlanta.

Nessas sequências, não importa a impossibilidade da fuga ou o caos ao seu redor, o protagonista está no controle. Ele é o diretor de seu filme. “Em Ritmo de Fuga” é, na verdade, a história de como esse controle vai sendo gradualmente perdido, à medida que Baby se envolve com a garçonete Debora (Lily James) e descobre que o “último trabalho” típico dos filmes de ação nunca é realmente o último.

Isso porque o longa do diretor britânico Edgar Wright (“Scott Pilgrim Contra o Mundo”) é, essencialmente, um exercício metalinguístico. Assim como em seus trabalhos anteriores – os ótimos “Todo Mundo Quase Morto” e “Chumbo Grosso” – os personagens conversam como se estives sem em um filme, e não como na vida real.

Seus nomes – Baby, Buddy (Jon Hamm), Darling (Eiza González), Bats (Jamie Foxx) – reforçam esse aspecto arquetípico. Há ainda uma homenagem a “Bonnie & Clyde”, e o próprio protagonista – silencioso, estiloso e romanticamente distante – é um cruzamento de Steve McQueen com Ryan Gosling em “Drive”.

Mas acima de tudo, a metalinguagem fica clara em como o controle de Baby é o controle de Wright, e de seus montadores Jonathan Amos e Paul Machliss, que sincronizam cada sequência de fuga – e várias das outras cenas – às canções escolhidas pelo protagonista. Em muitos dos casos, a ótima trilha – que vai de Ennio Morricone a Beach Boys, Beck e Blur – funciona como um comentário do que está acontecendo na trama.

“Em Ritmo de Fuga” é um longa de ação filmado como um musical. É uma prova de como entretenimento nerd não precisa ser preguiçoso, formulaico e descerebrado. Se “La La Land” era uma declaração de amor ao cinema e ao musical, a obra de Wright faz o mesmo com o gênero capaz de fazer o coração pulsar mais forte e o sangue acelerar nas veias, como um solo de guitarra ou um refrão que te faz querer transar com um acorde.

O maior mérito do cineasta nem é o sincronismo coreografado da montagem – que pode parecer uma virtuose exibicionista aos mais mal-humorados. Mas, sim, o fato de que, mesmo com as manobras alucinantes das sequências de perseguição, as cenas mais tensas do filme são contidos momentos de diálogo.

Porque, por ser um protagonista observador e reativo, na maior parte do tempo respondendo às curvas fechadas que aparecem em seu caminho, Baby se torna muito facilmente uma projeção do público dentro da história – algo acentuado pela carismática performance de Elgort. O espectador enxerga e se relaciona com os demais personagens a partir do olhar e das reações dele – e cada decisão que eles tomam, complicando ainda mais sua vida, afeta igualmente o público.

“Em Ritmo de Fuga” só vai soar desafinado, para alguns, em seu epílogo, quando o duelo pelo controle da história entre o fone de Baby e a câmera de Wright parece ser vencido pelo primeiro. É uma conclusão amarradinha e excessiva, que deixa claro como Wright, o roteirista, se apaixonou por sua criação e quer redimi-la a qualquer custo, superando Wright, o diretor. Mas, se você se apaixonou por Baby e pelo filme tanto quanto ele, não vai se importar muito.

CRÉDITO
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LEGENDA

Playlist

Um dos pontos altos de “Em Ritmo de Fuga”, a trilha sonora inclui mais de 40 músicas (algumas duram segundos), entre elas:

“B-A-B-Y” de Carla Thomas
“Debra” de Beck 
“Intermission" de Blur
“Brighton Rock” de Queen
“Baby Driver” de Simon & Garfunkel
 
A playlist (quase) completa está disponível no Spotify: https://goo.gl/HXfnRm

 

Minientrevista - AnselElgort, Ator e músico

Edgar Wright já trabalhava no projeto há 20 anos. Você chegou há três. O que acha que trouxe? Não sei se ele contou, mas nosso primeiro contato para falar do projeto durou uma hora. Só que não falamos do filme. Falamos de música. No fim, ele disse que ia me deixar o roteiro para eu ler e, se gostasse, eu o chamaria de volta. Chamei imediatamente. O personagem mudou comigo. Acho que o que trouxe foi carisma. Baby ficou mais carismático.

E essa coisa de representar dançando para a câmera? Comecei no musical, então é natural para mim. Os atores, mesmo de musicais, buscam a naturalidade. Eu gosto de ressaltar a teatralidade. Quando recebi minha primeira crítica elogiosa, coloquei os fones de ouvido e saí dançando pela rua, em Nova York. Como se fosse o rei do mundo.

Você é DJ, compõe, é cantor. Sente-se mais músico ou ator? Adoro atuar, mas veja “Baby Driver” (“Em Rimo de Fuga” no Brasil). O filme é de Edgar, expressa a visão dele. Na música, me expresso mais e a verdade é que, mais que qualquer outro filme, esse despertou o desejo de dirigir. De fazer o meu filme. Conversei com Edgar sobre suas influências... E o cara é doido. Me passou uma lista de cem filmes básicos. Não vi cem filmes na minha vida, e ele queria que visse cem para o filme dele.
(Luiz Carlos Merten)

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