Música

Chico Buarque passa a conviver mais de perto com as críticas

Embora mantido no panteão da MPB por especialistas, compositor não está imune à polêmica

Por Raphael VIdigal
Publicado em 10 de dezembro de 2017 | 03:00
 
 
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Graças a “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, música de Geraldo Vandré, uma carta de Tom Jobim (1927-1994) convocava Chico Buarque, 73, para ser vaiado. O episódio aconteceu em 1968, quando, ao receber sozinho os apupos da plateia na fase anterior do III Festival Internacional da Canção daquele ano, Jobim telegrafou para o parceiro de “Sabiá”. Interpretada pelo Quarteto em Cy, a canção venceu o concurso em detrimento do rasqueado de Vandré, preferida pelo público.

“Venha urgente. Presença imprescindível”, acudia o Maestro Soberano. Se até ali a experiência era inédita, Chico voltaria a estar no alvo décadas depois. “Os Replicantes te dirão que ele nunca foi unanimidade”, garante o jornalista e crítico musical Silvio Essinger, em referência à música lançada pelo grupo de punk gaúcho em 1983. Nos últimos versos de “Porque Não” o então vocalista Wander Wildner dispara aos berros: “O Chico era um velho mesmo antes de nascer”.

A partir de 2013, ao ingressar no grupo Procure Saber para defender a proibição de biografias não-autorizadas, o autor de “Vai Passar”, “Apesar de Você”, “Cálice” e outras canções de resistência à ditadura militar, passou a conviver cada vez mais de perto com críticas e situações polêmicas. Foi acusado de machista, censor, hostilizado por um grupo de jovens ao sair de um restaurante no Leblon e virou meme nas redes sociais. “Chico é um cara da sua época, com todas as contradições da classe média. Ele sempre teve detratores na ala conservadora do país. Um exemplo é a música ‘Jorge Maravilha’, que denuncia um embate de gerações nos versos: ‘você não gosta de mim, mas sua filha gosta’. Os jovens o viam como herói”, afiança Luís Antônio Giron, autor de “MPB dos 60 aos 80” (1991). “Chico sempre foi uma pedra no caminho dos reacionários e da hipocrisia moral. Hoje ele é vítima da intolerância ideológica de pessoas de direita que perderam o pudor de manifestar suas opiniões”, completa o crítico musical. Apesar disso, ele admite que o cenário mudou. Além das balas de sempre, o músico chegou a ser alvejado por setores historicamente simpáticos à sua figura. “Chico já nasceu cultuado como ídolo e se comporta assim. É uma pessoa egocêntrica, corporativista, que detesta a mídia, o que explica, mas não justifica, atitudes como a que teve junto ao Procure Saber”, acredita Giron.

Redes. O músico Rogério Skylab, que “perverteu” o clássico “Passaredo” (de Chico e Francis Hime) para criar a roqueira “Matador de Passarinho”, vê como positiva a possibilidade de que as pessoas expressem livremente suas opiniões nas redes sociais, e lembra um caso vivido pelo próprio Chico. “A surpresa de Chico Buarque ao descobrir que muitos internautas o odiavam é que outras visões passaram a ser canalizadas e expostas, depois de um longo tempo nas sombras. Não deixa de ser ela o efeito de um represamento. O que é recalcado, um dia explode. É a consequência natural de uma maior transparência na sociedade”, exalta.

Por outro lado, o jornalista e crítico musical Leonardo Lichote não enxerga o panorama atual com esses bons olhos. “As redes sociais facilitaram o desejo de se agarrar a verdades”, diz. “Chico sempre esteve sujeito a críticas, apesar de poucas vezes elas serem negativas, dada a qualidade de seu trabalho. O que temos de diferente hoje são dois fenômenos movidos pela ignorância. Um, o de desqualificar a obra dele por ser ‘de esquerda’. Outro, de desqualificá-lo enquanto artista porque uma de suas músicas recentes seria supostamente machista, uma crítica que também mostra ignorância com relação ao fazer poético”, defende.

Responsável por texto na internet que suscitou a discussão em torno de “Tua Cantiga”, a colunista Flavia Azevedo esclarece seu ponto de vista. “Nunca foi um ataque a Chico Buarque. Falei sobre o eu lírico. A situação descrita pelo artista é uma das tantas facetas da lógica machista”. 

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