Calmaria

Clube dos corações solitários, volume 2 

Plural compositor norte-americano volta ao território das baladas em seu novo disco

Por THIAGO PEREIRA
Publicado em 24 de fevereiro de 2014 | 03:00
 
 
 
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Beck é dos artistas mais plurais que se tem notícia por aí: encara qualquer gênero musical que sua criatividade e senso de composição farejem, sem maiores pudores ou fronteiras estéticas. É aquela história, existem várias formas de ser fazer música, e Beck é ótimo em quase todas; desde rapinagens a estilos rock de garagem, rap picareta, funk, disco, bossa nova e até piscadelas para a música eletrônica. E geralmente ele faz isso mantendo a bola da qualidade voando bonito, lá em cima. Um sujeito confortável em suas inquietações. Mas, curiosamente, depois da viagem sonora na discografia do músico, corre o risco do ouvinte preferir o artista em versão, digamos, mínima, adornado apenas pela sonoridade folk que ele sabe lidar como poucos.

Beck baladeiro é sensacional, ponto. Mesmo no meio da orgia antropofágica que é “Odelay”(1996), seu disco-síntese, o nível já sobe muito quando ele encara uma canção mais lenta, tipo “Jackass”. O lance é que neste caso, o incrédulo ainda podia acusar o moço de apenas um bom sampleador – como se a melodia que ele jogou em cima do riff de “It’s All Over Now Baby Blue” (de Dylan, mas surrupiado da maravilhosa versão do Them,de Van Morrison) não servisse de credenciais para esse lado mais sereno do hiperativo músico.

A prova de que ele entendia tudo dessa seara veio com “Sea Change”, de 2002. Impulsionado por um pé na bunda, ele teceu um disco perfeito da primeira à última faixa, munido apenas de instrumentação acústica e as dores que guardava em sua alma. Emplacou canções que não podem sair nunca mais de seu repertório, mesmo que soem intrusas no meio de sua sonoridade, como “The Golden Age” e “Lost Cause”. Ironia: o multidisciplinar Beck cometeu seu melhor trabalho com um disco cujo foco musical/narrativo era bem mais singular e reto.

Mais de uma década depois, ele prova que este talento não era fogo de palha: o homem sabe e gosta mesmo de fazer grandes baladas. “Morning Phase”, que sai lá fora hoje, via iTunes (mas que já esta disponível para audição no site www.npg.org) é um trabalho gêmeo de “Sea Change”, principalmente no que se refere à sonoridade – a temática é um pouco mais solar, mais atmosférica. Se bem que “Blue Moon”, uma das melhores do disco, segue à risca a (lindíssima) tristeza lírica a que ele se impôs (“Estou cansado de estar sozinho / Estes muros de penitência são tudo que conheço”, diz a doída letra).

O álbum segue desfilando maravilhas melódicas, canções calorosas, como “Heart Is A Drum”, momentos mais sombrios, como “Wave”, ou simples e tocantes como “Don’t Let It Go”. E como prova final do tom mais esperançoso do trabalho, o encerramento com “Waking Light” (“Quando a manhã vier te acordar / Prenda seus olhos nessa luz despertante) é de elevar a alma de qualquer ouvinte em busca de recomeços. De qualquer espécie: inclusive colocar o disco para tocar de novo.

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