Música

Corte curto de um filme livre

Kiko Dinucci lança primeiro disco solo após participar de mais de 30 álbuns e prepara trilha sonora do Grupo Corpo

Por Raphael Vidigal
Publicado em 14 de junho de 2017 | 03:00
 
 
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“Todo filme precisa ter começo, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem”. A frase é do cineasta francês Jean-Luc Godard, 86. Foi assistindo à mais recente produção de um dos expoentes da Nouvelle Vague (movimento que revolucionou o cinema moderno nos anos 60), que Kiko Dinucci, 39, teve a ideia para o seu primeiro disco solo. “Quando vi ‘Adeus à Linguagem’, em 2015, me chamou muito a atenção o jeito como ele usa o som. Daí, extraí o conceito de juntar as faixas, baseado na montagem das cenas de um filme. Godard é mais audacioso e inventivo do que muito músico. A gente tem que ver no cinema para aprender como se faz um disco sem ser careta, com toda aquela separação, ordem, começo, meio e fim”, elabora.

Apesar da estreia em disco solo, Dinucci está longe de ser um iniciante. “Cortes Curtos” é, até o momento, o primeiro álbum lançado pelo músico paulistano em 2017, numa carreira que contabilizou, só nos últimos cinco anos, 30 participações, como arranjador, compositor ou instrumentista. O disco, aliás, que será apresentado nesta quarta-feira (14), a partir das 22h, n’A Autêntica, traz outra relação cinematográfica.

“O título é uma tradução, à minha maneira, para o filme do Robert Altman (“Short Cuts – Cenas da Vida”, 1993), mas ele tem muitas influências. Passa pela maneira africana de tocar guitarra, o riff do rock e a liberdade do jazz”, conceitua.

Não por acaso, Dinucci optou por colocar a guitarra em primeiro plano, sobressaindo-se, inclusive, às vozes. “A guitarra foi o meu primeiro instrumento, antes do violão. No Brasil, em geral, ela não é assumida, fica no fundo, fazendo clima. Já eu empunho a guitarra contra qualquer passeata”, provoca, em alusão ao evento de 1967, quando figuras ilustres da música brasileira marcharam para protestar contra o uso do instrumento de origem estrangeira (embora a invenção da guitarra baiana por Dodô e Osmar conteste a tese), da qual participaram, por exemplo, Gilberto Gil, Elis Regina, Edu Lobo e Geraldo Vandré.

Encruza. Com menos de 40 minutos de duração, “Cortes Curtos” tem a participação das cantoras Tulipa Ruiz, Ná Ozzetti, Suzana Salles e Juçara Marçal, companheira em outra banda do entrevistado, a hoje cultuada Metá Metá, além de uma parceria com Wandi Doratiotto, partícipe do icônico grupo paulistano Premeditando o Breque. Neste caso não há nenhuma coincidência no fato de todos serem paulistas. “São Paulo me inspira muito, e esse disco é todo voltado para a cidade. Só que, do ponto de vista espinhoso, as letras falam de homofobia, xenofobia, crack, suicídio, enfim, para não cair totalmente na depressão, uso um pouco de humor, cinismo”, explica Dinucci.

O músico, que participou como compositor e arranjador nos discos “A Mulher do Fim do Mundo”, de Elza Soares, e “Encarnado”, de Juçara Marçal, admite a ascendência da chamada Vanguarda Paulista em seu trabalho. “Eu componho quando tenho vontade de ouvir algo que não existe, e isso tem muito a ver com o Arrigo Barnabé, o Itamar Assumpção, mas também a malícia do samba, do Geraldo Pereira, Wilson Baptista. Brinco dizendo que sou do ‘Clube da Encruza’, uma paródia do ‘Clube da Esquina’”, diverte-se Dinucci.

Ainda para este ano, outro desafio apareceu no caminho do músico. O grupo Metá Metá foi convidado para compor a trilha sonora do novo espetáculo do Grupo Corpo. “Eles nos deram total liberdade, não passaram nenhum tema. Aprendi a compor com mais calma, sem a necessidade de fechar a canção em três minutos, para que a dança tenha o espaço que ela necessita, lentamente”, assume. É aí que retorna outra expressão da sétima arte, “esculpir o tempo”, frase do cineasta russo Andrei Tarkovsky (1932-1986). Começo, meio e fim. Não necessariamente nessa ordem.

 

Agenda

O quê. Lançamento de “Cortes Curtos”, com Kiko Dinucci
Quando. Nesta quarta-feira (14) às 22h
Onde.  A Autêntica (rua Alagoas, 1.172, Savassi, 3654-9251)
Quanto. R$ 40 (inteira)

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