Artes visuais

Guiados pelo tom narrativo 

Videoinstalações da finlandesa Eija-Liisa Ahtila e fotografias do norte-americano David Harvey são expostas no Rio

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 19 de abril de 2015 | 03:00
 
 
 
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Rio de Janeiro. Cinco trabalhos de Eija-Liisa Ahtila ocupam as salas do espaço Oi Futuro, localizado no bairro Flamengo, no Rio de Janeiro. Paralelamente, imagens da série “Based on A True Story”, clicadas na capital carioca pelo fotógrafo norte-americano David Harvey, são exibidas no outro edifício da mesma instituição, sediado em Ipanema. 

Embora tenham trajetórias e objetivos distintos, ambos revelam em comum, nesses dois projetos, um olhar atento à construção de narrativas. Conhecida pela maneira como se nutre de testemunhos e experiências pessoais para produzir vídeos e filmes, a finlandesa Eija-Liisa, além dessa característica, reforça a versatilidade de sua obra a ser vista na primeira exposição individual dedica a ela no Brasil.

Presente tanto em museus, galerias, quanto em festivais de cinema e até nos intervalos da programação de TV, as criações da artista buscam o diálogo com o público de diversas maneiras. O ponto que as conecta, em grande parte, é justamente o traço narrativo, capaz de sugerir, às vezes, a comparação entre o ofício dela e o dos contadores de histórias.

“Eu acho que ela de fato se vê como uma profissional desse tipo, mas que experimenta e não se fixa num modelo. Eija-Liisa se desloca por diversos meios, se posicionando numa fronteira entre linguagens. Basta perceber que suas criações são exibidas em formatos muito distintos. Algumas abarcam mais de uma tela, o que coloca o espectador numa posição diferente a cada nova proposta”, observa Sara Suply, coordenadora do ateliê de Eija-Liisa.

Um dos exemplos desse tipo de abordagem é a videoinstalação “The Annunciation” (2010). Montada com três telas de grande formato, a obra envolve o visitante que permanece no meio desse cenário.

“Quem está diante daquela instalação, que trata da natureza dos milagres, precisa se encontrar entre as projeções, escolhendo a quais momentos de cada um dos três canais vai dedicar maior atenção. Dessa forma, a pessoa atua como um diretor, selecionando as cenas com o próprio olhar”, acrescenta Suply.

Concebida a partir de uma pesquisa sobre o modo como a passagem bíblica que narra o anúncio do nascimento de Jesus Cristo à Virgem Maria aparece retratado na arte ocidental, “The Annunciation” é uma releitura do fato e desse legado.

“Ela o revisita por meio da experiência de três mulheres que são mostradas enquanto ela tece algumas reflexões sobre a relação do homem com a natureza e com outros diversos seres”, detalha ela.

Dinâmica semelhante é percebida na videoinstalação “The House” (2002), até hoje o trabalho mais famoso da artista. Para chegar até ele, a finlandesa entrevistou um grupo de mulheres que sofriam de psicose. O resultado é uma ficção que chega ao público fragmentada em três telas.

“Nós acompanhamos o dia a dia de uma mulher que, aos poucos, está perdendo as referências do próprio espaço e passa a ouvir e ver coisas de forma um tanto confusa. O seu ambiente parece estar em colapso, e a obra retrata isso dando uma atenção grande aos sons e aos ruídos, que devem ser ouvidos com cuidado para se entender o que está acontecendo”, diz Suply.

Proprietária da galeria Marian Goodman, que representa a finlandesa, Rose Rord pontua ainda que em “The House”, é frequente o uso de recursos cinematográficos. “O artifício contribui para se criar a atmosfera surreal que envolve a protagonista”, sublinha.

O diálogo com o audiovisual segue em “Horizontal” (2011), mas neste Eija-Liisa lida com a própria limitação da linguagem e com a noção de perspectiva construída ao longo do tempo. Os obstáculos encontrados por ela se revelam quando a artista tenta fazer o retrato de uma grande árvore e encontra solução numa videoinstalação em que o objeto retratado aparece deitado, ao contrário da posição natural.

“Ela nota que é impossível fotografar uma árvore sem abrir a lente e tornar a imagem final uma paisagem. Por isso, ela propõe esse arranjo”, frisa Suply. “O que se percebe também é uma visão não convencional do que é cinema. Ela inverte os projetores para conseguir criar as imagens e reflete, assim, sobre a noção de perspectiva”, completa Rord.

Figuram ainda na exposição o vídeo “Fishermen” (2007), centrado num grupo de pescadores, e a instalação “Me/We, Okay, Gray” (1993), em que ela transmite pequenos curtas em três televisores, se apropriando também desta mídia.

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