Centenário

Homenagens à outra Aracy 

Admiradores de Aracy de Almeida buscam trazer à tona imagem da genial cantora e não da jurada de programas


Publicado em 20 de agosto de 2014 | 03:00
 
 
 
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Rio de Janeiro. Em algum momento esquecido dos anos 80 (mas imortalizado pelo YouTube), Silvio Santos se vira para o júri do seu programa de calouros, simula gravidade e pergunta: “Aracy de Almeida, quanto vale o show das alunas da professora Cleusa Alvarinho?”. Como é de costume, com uma expressão de quem tinha pouca paciência e enorme desconforto, a cantora favorita de Noel Rosa desfecha então à queima-roupa: “Vou mandar dez paus e estamos conversados!”.

Foi assim, como parte do folclore televisivo, que a Dama do Encantado viveria seus últimos dias e passaria à memória dos mais jovens. No entanto, em seu centenário, completado ontem, amigos e admiradores cuidam para trazer de volta a outra Aracy. A sambista genial que gravou como ninguém os compositores dos morros, a antidiva (“uma pessoa que não se preocupa com brilho, com paetê, com lantejoula, que não quer saber de estrela na porta do camarim, que não tem carro com chofer”, como definiu Elis Regina), o canto brasileiro por excelência.

“Tomara que essa imagem da jurada de programa de calouros desapareça”, torce o jornalista Sérgio Cabral, amigo e produtor de vários espetáculos de Aracy, que em breve inicia o trabalho de pesquisa para uma biografia da cantora.

“A Aracy tinha o que eu chamo de estranheza na voz. Um timbre raro, bonito, uma voz ampla. O fanho que não é fanho, algo que tem a ver com Bessie Smith e Billie Holiday”, compara Hermínio Bello de Carvalho, um dos grandes amigos da cantora, que estreou em São Paulo o show comemorativo “Aracy de Almeida, a Rainha dos Parangolés”, por ele roteirizado, com interpretações do cantor Marcos Sacramento.

Outra homenagem é a da cantora Dorina, que leva ao Teatro Rival, no Rio de Janeiro, no próximo dia 26, o show “Salve, Aracy!”, no qual é acompanhada pelo grupo Época de Ouro (que, em outras encarnações, tocou com a Dama). No repertório, composições de Noel Rosa, Ary Barroso, Wilson Baptista, Assis Valente e Custódio Mesquita que Aracy cantou e que lhe valeram do radialista César Ladeira a denominação de “o samba em pessoa”.

“Tem essa história de Aracy ser despojada, de querer estar entre os compositores e os músicos. Ela tinha uma linguagem popular do subúrbio e se dava ao desfrute de estar entre os poetas. Com certeza, tinha muito bom gosto”, avalia Dorina, apreciadora da personalidade da voz metálica de Aracy. “Fiquei receosa quando recebi o convite para fazer esse show, mas topei, porque não era só um show de Noel Rosa. Tem uns sambas-canções lindos, e um lado dela que vai mais para o chorinho”.

Biógrafo de Noel, o jornalista João Máximo produziu um programa sobre Aracy para a Rádio Batuta do Instituto Moreira Salles, que pode ser ouvido no site http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/673. É uma chave para entender a história dessa mulher nascida no bairro carioca do Encantado, que se tornou cantora contra a vontade dos pais e que conheceu o Poeta da Vila em 1933, quando foi levada à Rádio Educadora do Brasil por Custódio Mesquita. Noel levou a menina à Taberna da Gloria e lhe entregou uma música, “Riso de Criança”, que ela gravaria. “Quem acreditou em mim mesmo foi o Noel, que gostava desse meu gênio e me achava uma pessoa genial”, agradecia ela.

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