Cinema

'Me Chame Pelo Seu Nome' é uma celebração do ideal do amor perfeito

Em romance de Luca Guadagnino, dois homens se apaixonarem é tratado como algo natural

Por Daniel Oliveira
Publicado em 18 de janeiro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Em um dos versos mais geniais da música em 2017, Lorde cantou sobre um amor cuja perfeição é tamanha que merecia ser exposto no Louvre – “bem no fundo, mas e daí? Ainda o Louvre”. Essa ideia do amor como uma obra de arte de beleza irresistível é a mesma que dá vida a cada cena de “Me Chame Pelo Seu Nome”. No filme que estreia nesta quinta-feira (18), tudo é irresistivelmente bonito: a casa, as roupas, a comida, a natureza, o elenco, a música, a fotografia, os diálogos.

E o amor é, ao mesmo tempo, uma materialização e um elemento integral dessa perfeição. O que vem a ser o aspecto mais subversivo do longa do diretor Luca Guadagnino: o fato de que dois homens se apaixonam não é uma quebra transformadora, ou uma ruptura revolucionária, mas algo natural. Não é uma descoberta que precisa “ser desenterrada das profundezas, mas que é trazida organicamente pela correnteza do rio”. O resultado de um processo – histórico e fluido, como o plano-sequência em que os protagonistas finalmente se declaram; e natural, como a fruta (o pêssego que o espectador nunca vai esquecer) que atinge seu ponto ideal de amadurecimento.

E ideal é o princípio ativo de cada molécula do DNA do filme. Adaptado do romance de André Aciman, ele narra um verão idílico em 1983, quando Elio (Timothée Chalamet), jovem de 17 anos, se apaixona por Oliver (Armie Hammer), orientando acadêmico de seu pai (Michael Stuhlbarg), que vem pesquisar e passar as férias com eles no interior da Itália.

No início, os dois se estranham. Mas à medida que entende a tensão física e intelectual, Elio vive a intensidade do primeiro amor. E Guadagnino tece essa intensidade em cada elemento do filme. Da trilha musical clássica, que palpita mais alto a cada vez que o coração do protagonista se acelera ao ver Oliver, passando pelas cores dos figurinos, que desenham os encontros e desencontros do casal, até uma camiseta branca do Talking Heads iniciar um diálogo sincero – culminando na despedida para uma viagem, em que tudo é azul numa harmonia, de novo, perfeita e ideal.

Acima de tudo, porém, “Me Chame” retrata o amor como a ocupação de espaços – a ideia de alguém que invade, e toma posse, de um espaço que nós não estávamos necessariamente dispostos a ceder. Oliver, primeiro, toma o quarto de Elio para, em seguida, ocupar sua mente e seus pensamentos (nas canções de Sufjan Stevens), e seu corpo. E o resultado disso é que, a certa altura, esse outro ocupa cada poro de tal forma que é possível “me chamar pelo seu nome que eu te chamo pelo meu”.

O perigo é que essa transfiguração se torna tão vital – como Elio deixa claro na cena do quarto, ao tentar montar Oliver com o desespero adolescente de quem encontrou o ar de que precisa para viver – que, caso esse outro saia um dia, é como perder um órgão. E Chalamet possui cada uma dessas emoções (desejo, medo, dor, ciúme, raiva, alegria, expectativa) transbordando de forma tão transparente e eruptiva de seu rosto que a potência do plano final do longa vai ficar com você por semanas – e pode operar o impossível: tirar o Oscar das mãos de Gary Oldman.

E o mais incrível de “Me Chame” é como isso tudo acontece de forma natural e universal, sem grandes vilões opressores ou os obstáculos típicos de romances queer. Pelo contrário, o amor de Elio e Oliver é abençoado pela natureza, na cachoeira que é a representação do auge da abundância e da beleza e do amor; pela cruz da igreja, no plano-sequência da praça; e pelos pais (os grandes heróis do filme), na história narrada pela mãe, e no relógio que o pai entrega a Elio.

E isso deixa claro, mais uma vez, como o longa é uma idealização. Porque 99,8% dos gays não tiveram a chance, por motivos óbvios, de viver um primeiro amor tão perfeito, tão intenso, tão livre de opressão, aos 17 anos. E isso faz de “Me Chame” um presente, embrulhado numa embalagem exuberante, a que todos nós temos direito: de sentir essa alegria, essa intensidade, e aceitar cada parte e cada sentimento do nosso corpo. Um presente que Michael Stuhlbarg sintetiza num monólogo tão perfeito que, assim como seu filme, merecia ser pendurado no Louvre.

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