“Vida”

No espaço, ninguém te ouve morrer

Longa é conto de terror com bom elenco, que escorrega no ato final

Por Daniel Oliveira
Publicado em 20 de abril de 2017 | 03:00
 
 
 
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Apesar de considerado um dos clássicos da ficção científica, “Alien, o Oitavo Passageiro” é, essencialmente, um filme de terror. O roteiro segue a fórmula tradicional do serial killer eliminando personagens um a um, e a cena em que ele eclode do abdômen de John Hurt é um dos momentos mais assustadores vistos na telona.

Não por acaso, “Vida” assume declaradamente sua inspiração no clássico de Ridley Scott. O filme que estreia nesta quinta-feira (20) funciona bem como um conto de terror – tenso, impiedoso e claustrofóbico. Porém, sem a elegância da direção de Scott e do roteiro de Dan O’Bannon, derrapa como sci fi, não conseguindo esconder as partes mais indigestas de seu roteiro.

A trama acompanha um grupo de astronautas enviado para resgatar a primeira amostra de vida em Marte. Examinada e cultivada pelo cientista inglês Hugh Derry (Ariyon Bakare), sob a supervisão dos médicos Miranda North (Rebecca Ferguson) e David Jordan (Jake Gyllenhaal), ela rapidamente se desenvolve em um organismo inteligente. Tão inteligente que começa a atacar e exterminar os tripulantes.

“A própria existência da vida demanda destruição”, explica Hugh – para sobreviver, Calvin, como o marciano é apelidado, precisa se alimentar dos anfitriões. E a partir daí, o roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick vai jogando uma desgraça atrás da outra, como uma série de quedas e loopings numa montanha-russa que seus personagens precisam superar se quiserem sobreviver.

E não há como negar que, por boa parte do tempo, isso é bem divertido. Ainda que sem muita originalidade ou estilo próprio, o diretor Daniel Espinosa (“Crimes Ocultos”) usa a fotografia de Seamus McGarvey (“Animais Noturnos”) – que alterna bem entre belos travellings, dando ao espectador a sensação do balé espacial sem gravidade, e closes fechados que ressaltam a claustrofobia da espaçonave –, a trilha de Jon Ekstrand e as boas atuações de seu elenco para imprimir um bom ritmo ao filme e construir um clima crescente de tensão e perda de controle.

Quando as adversidades criadas pelo roteiro começam a desandar, porém, o cineasta não consegue salvar suas falhas. Responsáveis por “Deadpool”, Reese e Wernick são melhores com diálogos engraçadinhos do que com história e profundidade temática. E vão criando reviravoltas e obstáculos demais, resultando num terceiro ato confuso que, mesmo considerando tudo que aconteceu até ali, força a credibilidade do espectador.

Falta a “Vida” a simplicidade direta e a elegância de “Alien” ou de um “Gravidade”. E Espinosa não tem talento bastante para contornar isso. Ele inicia o longa com um belo plano-sequência que introduz seus personagens e lembra o longa de Alfonso Cuarón. Mas sem ter a mesma função narrativa – em “Gravidade”, os longos planos reforçavam o tempo real – e sem se repetir durante o resto do filme, ele acaba parecendo mais uma cópia do que um recurso de linguagem.

Com tudo isso, “Vida” ainda funciona como um bom passatempo graças a seu bom elenco. Além de reforçar como a exploração espacial hoje é um esforço internacional, com a russa Ekaterina (Olga Dihovichnaya) e o japonês Sho (Hiroyuki Sanada) na tripulação, o longa conta com ótimas performances de Ferguson e Gyllenhaal, extraindo o máximo de personagens pouco desenvolvidos.

A atriz sueca repete a presença e segurança em cena demonstrada em “Missão: Impossível - Nação Secreta”. Interpretando a responsável pela segurança da missão, seu rosto expressivo e sempre carregado de informações é o condutor que indica ao público o quão mal as coisas estão indo – mais que seus diálogos fracos, que apontam o óbvio ou repetem o que está na tela.

E Gyllenhaal pega apenas algumas sugestões de quem seu David é, e transforma em alguém cujas escolhas finais são indispensáveis para a relação do espectador com o filme. É esse final, carregado de sal e com a mão errada no tempero, que pode estragar toda a receita. Se você não se importar, porém, o caminho até ali vai servir bem como sua atividade cardiovascular da semana. 

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