Entrevista

No rastro da história oculta

A história recente parece ter escolhido acompanhar o mineiro Fernando Rabelo. Muito antes de enveredar pela fotografia, já havia assistido e sofrido a ditadura, quando seu pai, o jornalista José Maria Rabelo, foi perseguido politicamente e exilado. Depois, ao reencontrar o pai no Chile, acabou por ver de perto a vitória de Salvador Allende e o golpe militar que o derrubou. Assim, nada mais natural do que seu interesse em investigar as histórias por trás das imagens. Em entrevista ao Magazine, Rabelo conta sobre o trabalho de pesquisa que realiza por meio de seu blog, e reflete sobre os caminhos do fotojornalismo.


Publicado em 22 de setembro de 2012 | 17:44
 
 
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Como fotógrafo, deve ter sido sempre forte para você o impulso de ver muitas imagens, consumir e respirar fotografia. Mas quando foi que veio a ideia de, por meio do blog e do seu perfil no Facebook, contar histórias e recuperar detalhes dos bastidores de imagens significativas?  Há cinco anos, eu senti a necessidade de criar o blog Images & Visions devido à dificuldade de encontrar na web notícias relacionadas à arte fotográfica em geral. No blog e no Facebook, eu venho publicando imagens, feitas em diversas épocas, de fotógrafos de todo o mundo, sempre contextualizando o momento histórico, trazendo explicações sobre o autor e os fatos.

Ao mesmo tempo em que você publica fotos que a maioria das pessoas interessadas em fotografia já viu pelo menos uma vez, ainda que não saiba o contexto em que foram feitas, o blog também traz imagens improváveis, que são pouco ou nada divulgadas. Como funciona esse processo de garimpagem?   A história por trás de uma fotografia causa fascínio nas pessoas. Foram horas dedicadas à pesquisa em livros e na Internet. Desde que comecei, foram muitas as noites mal dormidas, sempre preocupado em atualizar o blog. Na internet, não dá para postar de vez em quando, tem que ser todo dia. Se não o leitor não retorna à sua página.

Você enfrentou a censura do Facebook ao publicar fotos artísticas com nudez. Isso em plena era da democracia e da liberdade de expressão. Como foram os contatos do site com você? E as repercussões acerca desses casos? Sim, na verdade o meu perfil já foi retirado do ar três vezes por causa de fotografias consideradas impróprias pela rede social. A primeira foi uma foto de Helmut Newton, que mostra a sua mulher June Browne (Mrs. Newton) com os seios aparecendo. A segunda foi uma belíssima foto feita pela fotógrafa Sylvie Lancrenon, que faz parte de um ensaio com atriz francesa Emmanuelle Béart nua, feito em Havana. E, por último, foi à célebre fotografia de Art Shay, que mostra o bumbum da filósofa existencialista e ícone feminista Simone de Beauvoir. No meu ver, foi uma atitude arbitrária. O Facebook deveria ter avaliado melhor ao deletar fotos que tenham caráter artístico. Ainda que eu tenha ficado indignado, tive que parar de postar fotos que pudessem ser censuradas, para evitar o risco de ser banido definitivamente do Facebook. De qualquer modo, foi um tiro no pé essa censura. Depois da repercussão nacional e internacional que teve o caso da remoção da foto da madame Beauvoir, os meus leitores do blog e Facebook triplicaram.

Como você tem percebido o interesse pelo contexto histórico de certas fotografias emblemáticas? E pela fotografia, em geral? O público do meu blog e do meu perfil é composto, na maioria, por fotógrafos e amantes da fotografia. Sinto que cresceu o interesse por temas relacionados à fotografia, de uma maneira geral. A fotografia está se popularizando cada vez mais com o surgimento da fotografia digital. No mundo, os blogs de fotografia estão ganhando cada vez mais espaço, e o mais fascinante é que você pode publicá-los e atualizá-los a todo instante, de qualquer lugar do planeta. A fotografia é, sem dúvida, uma linguagem universal.

Você viveu a fase de ouro do fotojornalismo na equipe do "Jornal do Brasil", que também reunia outros grandes fotógrafos, como Evandro Teixeira e Luiz Morier. Era, sem exagero, um dream team do fotojornalismo brasileiro. Conte, por favor, um pouco sobre esse período... O "Jornal do Brasil" foi, sem dúvida, a minha grande escola de fotojornalismo. Tive o privilégio de conviver com profissionais de primeira linha, durante os 13 anos em que trabalhei lá. Desde o início, os fotógrafos de lá fizeram história no fotojornalismo brasileiro. Grandes nomes pertenceram àquela talentosa equipe: Alberto Jacob, Erno Schneider, Campanella Neto, Evandro Teixeira, José Antônio Moraes, Delfim Vieira, Odyr Amorim, Ronaldo Theobald, Antônio Andrade, Ary Gomes, Kaoru Higuchi, Rogerio Reis, Luiz Morier, Paulo Nicolella, entre muitos outros. Era sempre uma busca incessante pelas melhores fotografias.

No blog, você foca fotografias históricas, emblemáticas. Mas, ainda assim, aparecem algumas imagens produzidas nos dias atuais, a exemplo da foto de Wilton Junior que venceu o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha. Como você vê a produção fotográfica no nos dias de hoje? E quais os rumos do fotojornalismo no Brasil nesta segunda década do século 21?

O mercado de trabalho para o fotojornalista encolheu muito em todo o mundo. Quando ingressei no "JB", em 1993, éramos 45 fotógrafos. Quando deixei o jornal, em 2005, restavam apenas sete. Com as novas tecnologias, praticamente todas as pessoas têm acesso a uma câmera.

Vivemos numa sociedade saturada de imagens, na qual qualquer leitor de jornal torna-se um fornecedor de imagens. Essa prática é incentivada por quase todos os jornais do mundo. Se um edifício pegar fogo, em poucos minutos os jornais passam a receber dezenas de imagens de fotógrafos amadores munidos de câmeras digitais e celulares. O Brasil ainda tem grandes fotojornalistas em atividade. A foto de Wilton Junior, que venceu o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha, é um exemplo da qualidade de nossos fotógrafos. O que me
preocupa mesmo é que encontrar emprego em jornal está se tornando cada vez mais difícil.

Ainda não tenho uma noção muito clara sobre o futuro do fotojornalismo no Brasil.

E a aproximação da fotografia com as galerias e os experimentalismos que agregam o conceito "contemporâneo" à arte de fotografar? Diversos fotojornalistas estão tentando se aproximar da fotografia de arte, que ainda engatinha em nosso país. O mercado em galerias é muito fechado. Há um longo caminho a ser percorrido.
 
Um dos momentos mais emocionantes do Images & Visions foi quando você publicou a foto de Kaoru Higuchi em que você aparece, menino, no colo do seu pai, momentos antes de ele se exilar. Qual o peso que a vivência do exílio - e também o envolvimento desde cedo com o jornalismo - teve e tem na sua vida e na sua fotografia? Com certeza, a fotografia surgiu na minha vida como uma forma de denunciar o que eu considerava injusto. Desde muito jovem, fui testemunha ocular de fatos que marcaram a minha infância, como o golpe militar no Brasil e no Chile. Muitas cenas que presenciei quando pequeno estão registradas na "película" do meu cérebro. A foto de Kaoru Higuchi mostra um dos momentos mais tristes que eu vivi em toda a minha vida. Essa cena aconteceu no aeroporto Santos Dumont, em 1964, durante a partida do meu pai para um longo exílio de 15 anos. Eu, no colo do meu pai, o abraçava, não querendo que ele partisse. Quase um ano depois, reencontramos nosso pai no Chile.

Você tem uma vivência internacional profícua, que rendeu, por exemplo, o livro "Imagens de um Flanêur Brasileiro em Paris". Dadas as experiências vividas fora, em que o Fernando Rabelo que vive hoje no Brasil difere daquele que um dia saiu do país pela primeira vez? O Brasil é um país que enriqueceu a minha visão sobre o mundo, aprendi que a miséria não é uma maldição bíblica, e que podemos combatê-la com uma ampla mobilização da sociedade. O Brasil caminha a largos passos para a erradicação da pobreza. Viver na Europa me provou que é possível viver com dignidade e justiça social.

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