Não há nada além da música. Como em tempos imemoriais, o único estímulo é sonoro, embora haja a ilusão de que violinos nos toquem os pés e instrumentos de sopro acendam a nossa visão. Assim, a música toma conta de todo o corpo com sua natureza etérea. 

No palco do Grande Teatro do Sesc Palladium, somos convidados a ouvir “While My Guitar Gently Weeps” (George Harrison) de olhos fechados. A experiência encerra o lançamento da nova temporada da Orquestra Ouro Preto, realizado na manhã desta terça (3), cuja estreia acontece no dia 22 de março, com a série Domingos Clássicos. 

“Ouvir é diferente de escutar, você precisa ter disciplina para ouvir, é como ler um livro sem dispersar”, compara o maestro Rodrigo Toffolo, 43. “No caso do exercício de hoje, foram exatamente seis minutos, mas a fruição musical é outra”, revela ele, quando então percebemos que o tempo também se expande diante da música.

Internacional

A canção apresentada, gravada pela primeira vez no famoso “Álbum Branco” dos garotos de Liverpool, em 1968, faz parte do CD “Beatles II”, uma das novidades que a orquestra, regida por Toffolo, prepara para o ano em que comemora duas décadas de estrada. “Em 2020, pretendemos mostrar o que já fizemos e dar continuidade a projetos que catapultaram o nosso nome”, afirma o maestro. 

O enorme sucesso que o encontro com Alceu Valença alcançou em 2014 também ganha uma continuação. “Valencianas II” foi gravado em janeiro, na Casa da Música do Porto, em Portugal, e deve chegar à praça em breve. O disco é parte do esforço da orquestra para “internacionalizar a marca”, sustenta.

Na mesma direção, está outra “menina dos olhos”: o álbum com o Duo Desvio, que investiga os ritmos brasileiros, com destaque para os nortistas e mineiros, previsto para o segundo semestre. “Somos um país curioso, a diversidade nos une”, aponta o regente. Com o trabalho, os envolvidos conceberam um feito até aqui inédito. 

Toffolo garante que o “Concerto para 2 Pandeiros” da orquestra é a primeira peça mundial do gênero. “Ela está toda escrita, não é improvisada, o que permite que um percussionista do Japão, da Alemanha, da Suíça ou da Suécia leia a partitura e toque. Isso é uma sublimação, porque transforma o instrumento em universal”, celebra.

Mas o rol de surpresas não estaria completo sem a parceria com o flautista Artur Andrés, fundador do grupo Uakti, que encerrou suas atividades em 2015, após 37 anos de história. “Vamos entrar na paisagem sonora do Uakti e beber daquela fonte inesgotável para deixar um novo testemunho. Será um trabalho revelador, com flauta, piano, percussão e orquestra”, informa Toffolo, que conta estar finalizando os arranjos. “Queremos oxigenar a obra”, completa.

Social

Toffolo não esconde a vaidade. Em pleno Carnaval, ele se refugiou na mansidão de um sítio, onde escutou a versão da Orquestra Ouro Preto para “Manhã de Carnaval”. “Que coisa bonita”, pensou na hora, como ele recorda. As lembranças retornam quando o maestro aparece em um vídeo caseiro, aprendendo a tocar violino, ainda adolescente, ao lado dos irmãos. 

Exibidas durante o lançamento da temporada, as imagens são a deixa para o maestro falar sobre iniciativas que estendem essa oportunidade a tantos outros jovens músicos espalhados pelo país. Um exemplo é a Academia Orquestra Ouro Preto, que atualmente conta com 28 bolsistas, três deles já incorporados aos profissionais. Já o Núcleo de Apoio a Bandas capacita regentes, professores e instrumentistas dos interiores de Minas, Espírito Santo e Ceará. 

No ano passado, músicos iniciantes foram levados para imersões em São Paulo. Em 2020, a ideia é que elas aconteçam no Rio de Janeiro. Também em 2019, a orquestra atingiu o seu recorde de público em um único concerto, com mais de 50 mil presentes. Os números seguem impressionantes nas plataformas digitais. São mais de 12 milhões de reproduções no Spotify. 

Os dígitos enchem Rodrigo Toffolo de orgulho, pois são superiores aos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Atualmente, a principal ambição do maestro é que “a cultura seja vista como uma política importante”. “Os políticos vêm e vão, mas a herança cultural permanece”, afiança. Aliás, o legado de um dos mais populares compositores eruditos de todos os tempos será revisto pela orquestra. 

Neste ano, comemoram-se os 250 anos de nascimento de Beethoven. O maestro resolveu festejar a data, mas, para não repetir o óbvio, optou por “uma loucura”, define. Em dois dias, a orquestra vai executar os cinco concertos para piano do músico. “Ninguém nunca fez nada parecido, é necessário um preparo físico e musical, será uma experiência quase antropológica”, sublinha. 

Em meio a tudo isso, haverá turnês nacionais com os concertos “O Circo de Charlie Chaplin”, “O Tom da Takai”, na companhia de Fernanda Takai, e “Tirando a Casaca”, ao lado do pernambucano Antonio Nóbrega. 

Novidades:

  • *Lançamentos dos discos “Beatles II” e “Valencianas II”
  • *Concerto com a obra do Uakti
  • *Álbum com o Duo Desvio, que investiga os ritmos brasileiros
  • *Homenagem aos 250 anos de Beethoven
  • *Apresentação dos discos já lançados na série Domingos Clássicos